sábado, 27 de junho de 2015

O ser humano e os confins do conhecimento. Nossa viagem é eterna!

Chomsky e Krauss: Por Que Enviar Humanos ao Espaço Se Podemos Mandar Robôs?
ESCRITO POR DANIEL OBERHAUS
24 June 2015 // 09:32 PM CET







Vivemos tempos empolgantes. Pela primeira vez em meio século, vemos uma grande corrida espacial. A cada dia que passa, nossa compreensão de nós mesmos e do nosso universo possibilita enormes inovações nos campos da ciência e tecnologia, tais como computadores que aprendem a se programar e curas para males como o câncer ou AIDS.

Krauss (à esquerda) e Chomsky (à direita) debatem na Universidade Estadual do Arizona. Crédito: ASUOrigin
Em meio a tantas descobertas, analisar as questões científicas com olhar crítico pode ser complicado. Talvez a pergunta mais crucial de hoje seja “a que custo?”. Um exemplo: ir ao espaço é ótimo, claro, mas o que isso significa para o futuro da humanidade quando a exploração se sujeita aos caprichos de empresas privadas? Nossas inovações científicas são impressionantes, beleza. Mas quem as financia e quais são suas motivações?

Quando soube que o linguista e filósofo Noam Chomsky estava vindo à Phoenix, no Arizona, para participar de um debate com o físico Lawrence Krauss, pensei que não poderia deixar passar a oportunidade de discutir esses temas cada vez mais importantes com duas das figuras intelectuais mais proeminentes de nossos tempos. Ambos deram tantas contribuições substanciais às respectivas áreas de estudo que não precisariam serem apresentados, mas, para quem perdeu alguns dos mais emocionantes desdobramentos da física teórica e da política nas últimas décadas, dou uma forcinha.
Desde que começou a publicar seus artigos no começo dos anos 50, Chomsky, professor emérito do MIT, escreveu mais de 100 livros sobre uma variedade impressionante de temas, de linguística à ciência cognitiva, a Guera do Vietnã e os méritos do anarcossindicalismo. Ele também foi eleito como maior intelectual do mundo.

Já Krauss é físico teórico da Universidade Estadual do Arizona e escreve sobre tópicos ligados à área e cosmologia. Ele foi um dos primeiros físicos a sugerir que grande parte da energia e massa se encontra no espaço vazio (agora chamado de energia negra) e recentemente promoveu um modelo do universo em que o mesmo teria surgido do nada. Ele também é conhecido por seu ativismo ateísta.

“Pode-se enviar um robô para Marte pelo mesmo custo que se faz um filme sobre enviar Bruce Willis à Marte”

Dado seus campos de questionamento distintos e complementares, Chomsky e Krauss têm coisas muito interessantes para falar sobre o estado da ciência e exploração espacial. Nossa discussão se deu em dois momentos e foi editada por questões de espaço e clareza.

MOTHERBOARD: Quais os riscos de deixar o futuro das viagens espaciais nas mãos de interesses privados?

CHOMSKY: É como eleger um ditador para o mundo e dizer que iremos obedecer a tudo que ele disser, não importa o quê. É um desdobramento terrível. O meio ambiente e os bens comuns são tudo que compartilhamos. São uma posse comunal. O espaço é mais ainda .Permitir que instituições artificiais como empresas tenham qualquer controle sobre o ambiente espacial tem consequências devastadoras. Com certeza minará esforços sérios de pesquisa.

KRAUSS: Creio que seja perigoso, apesar de improvável. Os custos de ir ao espaço são altíssimos e os riscos, também. A única forma disso se sustentar a longo prazo é com apoio governamental. A curto prazo, coisas que envolvam distâncias menores, como voltas ao redor da Terra, contarão com envolvimento de empresas privadas mas, na minha opinião, não existe modelo de negócios que motivará os custos, dificuldade e tempo envolvidos para se enviar alguém à Marte. Então é um problema se o governo desistir e cair fora dos empreendimentos espaciais. No final das contas, a exploração espacial é algo que deveria caber à sociedade decidir como conduzir.

Parece ser meio que uma faca de dois gumes. Se esperarmos muito do governo acabaremos com esforços gigantescos de militarização do espaço, como aconteceu durante a Guerra Fria.

KRAUSS: Quando falamos de exploração espacial, é necessário termos um público bem informado explicando ao congresso por que e como quer gastar dinheiro naquilo. Infelizmente, muita gente anda confusa e acha que a exploração humana do espaço é a exploração científica do mesmo. Isso não é verdade. Quando enviamos humanos ao espaço, gastamos 99,99% do orçamento nos certificando de que eles sobreviverão. Como sempre digo, pode-se enviar um robô para Marte pelo mesmo custo que se faz um filme sobre enviar Bruce Willis à Marte.

Se realmente acreditamos na democracia, elegemos representantes que tomam decisões pelas quais são responsabilizados. Pode-se ter certeza que em algum momento o público tem voz no que quer e não quer ver, mas essa voz precisa ser bem informada. Temos que decidir se é uma questão de prioridade nacional e, se for, os eleitos têm que decidir quanto será gasto naquilo. Acho que o governo busca militarizar tudo e o problema é que grande parte do dinheiro gasto na militarização do espaço é invisível. São projetos e programas secretos.

Após o programa Apollo e a queda da União Soviética nos anos 90, as pessoas não falavam tanto da militarização espacial. Mas, como Lawrence disse, a militarização não se foi. Sua influência só ficou eclipsada.

CHOMSKY: Se você reparar nas projeções da Força Aérea, verá que muito foi feito tendo em mente a militarização e o monopólio do espaço. Acontece todo o tempo.

Muita gente diz que, se não fossem pelas empresas, não existiria isso de viagem espacial. Essas mesmas pessoas dizem que a privatização do espaço é melhor que nada.

CHOMSKY: Se isso é verdade, é uma patologia social. Poderiam ter dito o mesmo a respeito dos computadores. Não foi isso que aconteceu. Eles foram desenvolvidos sob subsídio governamental por meio de contratos públicos. A maior parte do trabalho criativo e arriscado foi feita pelo governo. As empresas não queriam isso. Elas não queriam tomar para si empreitadas arriscadas. Preferiam que o serviço público fizesse. Daí poderiam pegar os resultados e vendê-los em troca de lucro. É assim que nosso sistema funciona. Se você tem um iPad desmontado e se pergunta onde suas peças foram desenvolvidas, verá que quase tudo foi criado dentro do sistema estatal. Se falamos de farmacêuticos, as chances de que a pesquisa básica tenha sido conduzida por um laboratório do governo ou uma universidade com recursos públicos são altíssimas. As empresas privadas então pegam aquilo e vendem.
No caso dos computadores é impressionante: os primeiros computadores pessoais comercializáveis surgiram quase 40 anos depois de pesquisa e desenvolvimento da tecnologia criada com recursos públicos. Uma das peculiaridades, por assim dizer, de nosso sistema de inovação e desenvolvimento é que ele é radicalmente anticapitalista de diversas formas. Por exemplo: muito do trabalho de risco e criatividade é feito com recursos públicos. Pessoas que pagaram impostos nos anos 50 e 60 talvez não soubessem, mas elas estavam criando o que no final das contas foi vendido pela Apple. E não receberam nada por isso.
Acho que isso é uma patologia social e o mesmo vale para o espaço.

O custo de entrada no espaço é altíssimo e o mesmo vale para a ciência. Qual a melhor maneira de abordarmos a questão de explorar o espaço?

CHOMSKY: Vendo toda a história do programa espacial, vemos que muita coisa interessante foi descoberta, mas de forma que vai do equivocado ao enganoso. Qual foi o sentido de colocar um homem na lua? Uma pessoa é o pior instrumento possível para se colocar no espaço: você tem que mantê-la viva, o que é complexo, envolve procedimentos de segurança. A forma correta de explorar o espaço é com robôs, o que ocorre agora. Então por que tudo começou com um ser humano? Por questões políticas.

KRAUSS: Claro que deveríamos pressionar o governo a destinar mais fundos para programas espaciais. Mas, de novo, se você me pergunta se deveríamos destinar finanças para a exploração humana do espaço, minha resposta seria que não. A exploração espacial não-tripulada, do ponto de vista científico, é muito mais relevante e útil. Se a ideia é só aventura, então é uma coisa completamente diferente. Mas da perspectiva da ciência, deveríamos investir em exploração espacial não-tripulada.

CHOMSKY: John F. Kennedy queria superar o fiasco da Baía dos Porcos e o fato de que os russos haviam saído na nossa frente, por mais que os cientistas norte-americanos soubessem que isso não era verdade. Era necessário um evento dramático, como um homem andando na lua. Não faz muito sentido ter alguém ali, a não ser para impressionar outras pessoas.
Assim que o público cansou de ver um cara qualquer tropeçar pela lua, os projetos chegaram ao fim. E aí começou a exploração espacial como empreitada científica. As coisas continuam a se desenvolver assim. Cito, mais uma vez, o desenvolvimento dos computadores. Isso foi apresentado sob a rubrica da defesa. O Pentágono não diz ‘vamos pegar seus impostos para que talvez seu neto possa ter um iPad’. O que eles dizem é que ‘estamos nos defendendo dos russos’. O que fazem mesmo é ver se conseguem criar algo inovador para a economia.

Quão grande você acha que é a influência das empresas privadas em pesquisa e desenvolvimento no ambiente universitário?

CHOMSKY: Não sei de nenhuma pesquisa séria, mas existe uma noção generalizada de que o financiamento privado tende a ser voltado para o curto prazo, com foco mais estreito e aplicação mais imediata do que financiamento governamental ou institucional. Não é de surpreender que as pessoas exagerem o papel das empresas. Quando se compra um computador, remédio ou outro bem que exige muita pesquisa científica, você percebe o que as empresas adicionaram. Nunca nos damos conta do longo período de pesquisa básica que serve como fundação para as aplicações do mercado.
A ciência climática é uma área em que os interesses privado e governamental podem ser percebidos de maneira muito poderosa. Vocês acham que as empresas vão capitalizar em cima de tecnologias sustentáveis ou lucrarão em cima de desenvolvimento não-sustentável até começarmos a nos extinguir?

CHOMSKY: Os sinais não são dos melhores. Os cientistas em geral concordam que a maior parte dos combustíveis fósseis deveria continuar no solo se quisermos ter chances de sobreviver de modo decente. As empresas do setor energético dedicam grandes recursos à extração de tudo que é possível enquanto novas áreas de extração são abertas e os governos as subsidiam em uma taxa de 5 trilhões de dólares anuais, de acordo com estudo recente do FMI. O resto depende de nós.

Tanto a Universidade Estadual do Arizona quanto o MIT tem forte relacionamento com os setores militar e de defesa. Como garantir que esses interesses não atrapalhem o trabalho acadêmico?

CHOMSKY: No caso do MIT, que recebeu uma enorme verba militar, o assunto foi estudado cuidadosamente por uma comissão de docentes e alunos chamada Pounds Commission. Fiz parte dela e os registros estão abertos ao público. As descobertas iam de acordo com a minha própria experiência em um laboratório 100% financiado pelo exército e possivelmente o centro acadêmico líder de resistência organizada à Guerra do Vietnã. O MIT administrava dois laboratórios militares. No campus, não havia qualquer indício de influência militar na pesquisa ou ensino. Em linhas gerais, a afirmação se confirma. O financiamento por parte do Departamento de Defesa tem sido direcionado ao desenvolvimento da economia a longo prazo, caso da revolução de TI. Quando os resultados são comercializáveis, eles são entregues às empresas privadas para sua aplicação e lucro. Em grande parte se trata de um sistema de subsídio público e lucro privado.

Seria a ‘liberdade acadêmica’ nas ciências uma contradição neste caso?

KRAUSS: Há a liberdade acadêmica de não aceitar o dinheiro! Na minha experiência, houve muitos casos em que as comunidades disseram que não aceitariam o dinheiro dos militares. Há um histórico na comunidade física de dizer que não aceitaremos a grana para Guerra nas Estrelas. Achamos se tratar de algo equivocado, fisicamente ridículo e não aceitaríamos qualquer dinheiro para aquilo, não importasse quanto Ronald Reagan quisesse gastar. A comunidade científica tem que ser honesta com essas coisas e dizer quando são mal concebida.

Não há dúvidas de que há gente correndo atrás de dinheiro. Não me preocupo muito porque até quem aceita dinheiro dos militares justificará porque pegou essa grana. No final eles só estão fazendo a pesquisa que queriam mesmo. Muitas vezes adequam suas propostas para atender o que acham ser os interesses do doador, mas acabam pesquisando aquilo que queriam. Agora, até certo ponto, a disponibilidade do dinheiro em certas áreas atrapalha a pesquisa. É um problema que não vejo como contornar.

Para encerrar, então: o público é desinformado, o governo está militarizando tudo e as novas empresas espaciais veem a fronteira final como uma mina de ouro. A situação não está nada boa. Como podemos engajar o público de forma a democratizar a ciência e exploração espacial mais ativamente?

CHOMSKY: Da mesma forma que se atrai a participação de um público informado em outras questões. Para quem acredita na democracia, isso é necessário.

KRAUSS: Não tem receita de bolo, mas você tenta fazer com que as pessoas se interessem ao tornar a ciência mais interessante e indo atrás delas. Você tenta fazer com que as pessoas percebam que aquilo é uma parte importante de suas vidas, mesmo que elas não pensem assim e as faz se interessar por assuntos que antes consideravam esotéricos, tediosos ou complicados. É um trabalho longo e árduo que precisa começar cedo, investindo mais em professores etc. Em partes está nas costas da academia, mas o governo também tem que tentar encorajar o apoio na contratação de professores qualificados e pagá-los com salários adequados para que escolham lecionar e não entrar para a indústria.

Tradução: Thiago “Índio” Silva