domingo, 24 de janeiro de 2016

Enfrentamento



Ruby Bridges: a história de uma menina que enfrentou o racismo de todo um país




A História de Ruby Bridges
Em 1960, a Suprema Corte americana ordenou que todas as escolas públicas do país cessassem a segregação racial e passassem a integrar alunos negros em suas salas de aula. Neste contexto, a família da garota Ruby Bridges decidiu matriculá-la em um colégio “All White” de Nova Orleans, chamado William Frantz. Seu pai era relutante, mas a mãe disse que a mudança era necessária não apenas por uma melhor educação para sua filha, mas também para “dar um passo a frente à todas as crianças afro-americanas”.

Temendo algum tipo de represália, seus pais pediram escolta da polícia local, para que Ruby pudesse ir à escola em segurança. Para surpresa (nem tanto) da família, a polícia da cidade recusou o pedido, e disse que não ajudaria na segurança da garota. Com isso, a presença dos oficiais federais foi solicitada e, assim, a menina pôde caminhar de sua casa até à escola (é esta a cena que a pintura de Normam faz referência). Chegando no colégio, uma multidão de pais enfurecidos protestavam contra a presença da negra no colégio. Insultavam e, até mesmo, ameaçavam a integridade física da família Bridges.
Quando perceberam que a inclusão da garota no colégio era inevitável, os pais dos alunos brancos resolveram entrar no colégio e retirar seus filhos do local; os professores também se recusaram a ensinar a garota. Barbara Henry, uma jovem docente, foi a única que se mostrou disposta a ser professora de Ruby e, com isso, a criança resolveu continuar no colégio, mesmo com tantas manifestações contra.
Durante todo o ano letivo, Ruby era ensinada em uma classe que só tinha ela como aluna. Nos primeiros dias conviveu com ameaças de morte, inclusive por funcionárias do colégio, que ameaçavam envenenar sua comida. Os agentes federais decidiram que a garota só poderia consumir alimentos trazidos de casa pela própria aluna. Outra funcionária colocou uma boneca negra em um caixão de madeira e protestou com ela fora da escola.
A família de Bridges sofreu com todo este processo: seu pai perdeu o emprego, e seus avós (que eram meeiros no Mississippi) foram desligados de suas terras. O acontecimento, porém, possui alguns bons exemplos. A comunidade negra, com alguns poucos integrantes brancos opostos ao racismo, tentaram ajudar. Um vizinho conseguiu outro emprego para seu pai. Além disso, algumas famílias brancas continuaram a enviar seus filhos ao colégio.
  
A pintura
A pintura abaixo, do artista norte-americano Norman Rockwell, é denominada “The Problem We All Live With” (O problema com que todos nós vivemos). Ela retrata um episódio emblemático, ocorrido nos EUA em 1960 e protagonizado pela menina Ruby Bridges, na época com apenas 6 anos de idade. Esse quadro atualmente está na Casa Branca e é motivo de orgulho para o presidente Barack Obama que sempre menciona a história de Ruby como inspiração pessoal.

Em 1998, foi lançado em Hollywood o filme “A História de Ruby Bridges” que, mesmo de uma maneira mais dramatizada, retrata de maneira bem satisfatória o episódio de 1960.

Fonte indicada: Mulheres notáveis -

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Terrível. Para onde caminha a humanidade?

Inferno em Alto Mar: O Lado Perverso da Crise Global de Imigração
ESCRITO POR GERALDINE CREMIN
13 August 2015 // 03:57 PM CET





Cerca de trezentos migrantes estão desaparecidos desde 6 de agosto, quando um barco virou enquanto cruzava o mar Mediterrâneo. De janeiro para cá, pelo menos2.015 pessoas morreram entre as costas da África e da Europa. O número é comparável ao ano inteiro de 2014, quando 3.072 imigrantes faleceram – em 2012, para se ter uma ideia do crescimento, foram 500.

Uma onda de conflitos armados e o abuso de direitos humanos estão forçando mais pessoas do que nunca a deixarem suas casas. Tamanha procura tem deixado o processo de refugiados dos países emergentes à beira do colapso. Quem quer asilo acaba apelando para medidas extremas.

As Nações Unidas dizem que estamos no meio de uma crise global de imigração. Enquanto os países de destino reagem com indecisão desconcertante — não sabem se devem agir como salva-vidas em suas zonas costeiras ou mandar ver na defesa de fronteiras —, mais imigrantes fazem fila para o próximo barco a sair do cais.

Caminho Errado, Faça a Meia-Volta
“As pessoas estavam vomitando, estavam enjoadas por causa do mar. O cheiro dentro do barco era insuportável”, me falou o imigrante Mohammad Ali Baqiri. “Não tinhamos alimentos adequados nem água potável o bastante para beber.”

Baqiri é um hazara étnico que fugiu do Talibã no Afeganistão. Ele contou para a Motherboard como foi ser contrabandeado em mares voláteis e um clima tropical severo numa viagem de sete dias da Indonésia à Austrália, em 2001, quando tinha apenas 10 anos.

“Nas primeiras noites nos deparamos com uma série de tempestades, chovia muito forte”, disse. “As pessoas rezavam, juntavam-se para rezar por sobrevivência.”

Baqiri tinha sete anos quando deixou o Afeganistão com seu irmão, a esposa do irmão e os quatro filhos deles. A família tomou uma rota terrestre até o Paquistão, país vizinho, onde ficaram dois anos.

Hoje o Paquistão abriga 1,5 milhões de refugiados, de acordo com o o Alto Comissário das Nações Unidas para Refugiados (UNHCR), muitos deles do Afeganistão. É uma tendência globa fugir para países vizinhos, mas, dado que conflitos e instabilidade são considerados uma questão continental, os refugiados se deparam com condições que não diferem muito do local que deixaram.

“Permanecemos ilegais no Paquistão durante dois anos mas sempre houve assassinatos de hazaras por lá”, explicou Baqiri. “Então decidimos ir embora e procurar um lugar seguro.”

Com a ajuda de contrabandistas, a família fugiu para a Indonésia, onde o UNHCR os registrou como requerentes de asilo. Depois de conhecer outros imigrantes que receberam status de refugiados e ficaram presos em campos da Indonésia, decidiram se arriscar no mar. Após seis meses de espera, contrabandistas colocaram a família em um barco.

“Lembro bem daquela noite. Estava muito lotado, muita gente descobriu o ponto de partida do barco e apareceu para ver se poderia entrar”, disse. “As pessoas estavam se empurrando, acotovelando. Tinha um segurança, e meu irmão pagou para ele todo o dinheiro que tínhamos para nos deixar passar e pegar o barco.”

“Nos barcos, volta e meia não há comida nem água o bastante para sobreviver."
Para realizar a travessia do sudeste asiático até a Austrália, contrabandistas costumam comprar barcos de pesca decrépitos. Os esquifes não são projetados para os passageiros ou águas livres; são descaradamente inadequados para o mar.

Baqiri disse que os 150 requerentes de asilo de seu barco foram forçados a ficar dias debaixo do convés para não serem descobertos.

“Todo mundo estava dentro do barco, e tivemos que permanecer sentados lá durante noites e dias a fio. As pessoas ficaram doentes”, contou. “O banheiro era um buraco, nada mais. No fim, todos estavam exaustos, largados por toda parte.”

Depois de sete dias em alto mar, o barco de Baqiri foi interceptado pela Marinha Australiana Real, que ordenou com que o capitão desse a meia-volta e retornasse à Indonésia.

Os passageiros recusaram.

“Algumas pessoas do nosso barco já tinham feito a jornada e foram redirecionados de volta à Indonésia, então alguém resolveu tacar fogo no barco”, disse Baqiri. Segundo ele, o fogo se espalhou tão rápido que os passageiros foram forçados a se jogar no mar.
“Tinha mulheres, crianças, pessoas que não sabiam nadar. Eu só escutava pessoas gritando por todo lado: gritando, gritando, gritando.”

Segundo Baqiri, duas pessoas se afogaram; seu sobrinho de um ano de idade ficou seis horas inconsciente depois de serem resgatados das águas pela Marinha.
“Imaginamos o pior”, disse.


O governo australiano não é nada sutil quando se trata de migrantes. Créditos: border.gov.au
Há mais questões complicadas na política australiana que vão além de lidar com “o pessoal dos barcos”. Slogans como “Parem os Barcos” venceram as eleições federais, enquanto ações para acabar com os procedimentos costeiros perderam. Isso sem contar que a maioria de requerentes de asilo na Austrália chega pelos ares.

O governo australiano começou a fazer os barcos darem meia-volta, oficialmente, em 2001. Desde então a prática segue consistente. Hoje o governo se compromete a “a parar os barcos a todo custo“.

“O governo australiano, nos últimos anos, introduziu uma série de políticas direcionadas a deter chegadas de barco”, explicou Graeme McGregor, da Anistia Internacional.

Em outdoors espalhados pelos países de origem, imigrantes em potencial recebem a mensagem clara de que “a rota para a Austrália está fechada” e, se chegarem à Austrália de barco, “reassentamento no país jamais será uma opção”.

A operação australiana de bloqueio é conduzida por militares. A primeira resposta deles é dar meia-volta com os barcos rumo ao porto de partida. Se não der, os barcos são enviados à Papua-Nova Guiné ou Nauru, pequeno países no Pacífico, para o processamento de reivindicações de asilo. Se a reivindicação de um indivíduo é deferida, ele será estabelecido na PNG — um dos lugares mais perigosos do mundo para uma mulher, segundo a Human Rights Watch — ou em Nauru, o terceiro menor estado do mundo.

“Em alguns aspectos, estão alcançando seus objetivos. Mas sem levar em consideração direitos humanos e a saúde das pessoas que eles pretendem ajudar”, disse McGregor. “Nos barcos, volta e meia não há comida nem água o bastante para sobreviver. Os passageiros se encontram gravemente desidratados, sofrem com o enjôo do mar e costumam estar em péssimo estado físico. É por isso que a Anistia está preocupada com a volta dos barcos para repetir a jornada.”

Baqiri duvida que o barco em que ele e sua família viajaram para a Austrála tenha conseguido retornar à Indonésia.

“Os barcos que vêm da Indonésia costumam ser do mesmo tipo: baratos, comprados para uma viagem só de ida, creio eu”, disse ele.

O UNHCR exprimiu o receio de que fazer os barcos de refugiados voltar negue uma avaliação adequada de suas reinvidações por asilo. Em alguns casos, dizem que pode ser uma violação da Convenção sobre Refugiados de 1951, das Nações Unidas, cujo alicerce é não retornar um refugiado ao território onde enfrenta perseguição.
Também há preocupações acerca de práticas questionáveis em alto mar. Há pelo menos um incidente relatado em que autoridades australianas pagaram 5 mil dólares para cada membro da tripulação de um barco de contrabando para eles darem meia-volta e retornarem à Indonésia.

O governo australiano se recusa a confirmar esses pagamentos.

O Mercado de Pessoas

O desespero de imigrantes significa que os negócios vão bem para os contrabandistas de pessoas. (Em oposição a traficantes de humanos, os contrabandistas costumam trabalhar com consentimento de encargos.) A Organização Internacional das Migrações (OIM) estima que é uma indústria avaliada em até 10 bilhões de dólares por ano.

Contrabandistas não cobram mais do que 400 dólares por uma vaga em um barco inflável partindo da Líbia rumo as águas italianas. A rota da Síria ao sudeste da Sicília toma cerca de 1.500 dólares de um migrante, e a jornada do Paquistão à Austráliapode custar até 15 mil.

Com centenas de migrantes amontoados a bordo, cada barco carregado representa dezenas de milhares de dólares. Ainda assim, contrabandistas cortam gastos. Eles utilizam barcos descartáveis, surrados, e regulam suprimentos vitais, como alimentos, água e petróleo. Em alguns casos, sequer contratam tripulação; no lugar, entregam uma bússola a um passageiro e apontam para o horizonte. Cada detalhezinho reforça a margem de lucro.

Em alguns casos, a postura dos contrabandistas frente ao valor de sua carga ultrapassa a indiferença e beira a malícia. Em setembro de 2014, um barco que transportava cerca de 500 migrantes foi deliberadamente afundado por contrabandistas no mar Mediterrâneo. Treze requerentes de asilo sobreviveram; passaram três dias no mar antes de serem encontrados por socorristas.

Os sobreviventes relataram aos investigadores que contrabandistas palestinos e egípcios empurraram a embarcação de pesca superlotada depois que os migrantes se recusaram a passar para um barco menor – menos adequado para o mar.

“Depois que bateram no nosso barco, fizeram questão de certificar que havia afundando completamente antes de partirem. Estavam rindo”, um dos sobreviventes contou à OIM.

Um contrabandista, contam, usou uma machete para decepar as mãos de um imigrante que se agarrou ao barco agressor.

Os sobreviventes contaram que a maioria dos passageiros do barco ficou presa no porão e afundou com o casco. Alguns relataram histórias angustiantes aos investigadores sobre as horas e os dias que seguiram o ataque – um homem se enforcou quando o barco começou a afundar e mães sucumbiram à exaustão e deixaram os bebês escaparem de seus braços.

Sobreviventes contaram que pagaram 4 mil dólares aos contrabandistas pela viagem fatal.

Não restam dúvidas de que há muito dinheiro envolvido no contrabando de pessoas. Mas, conforme alguns contrabandistas demonstraram, há mais dinheiro ainda a ser feito em exploração e tráfico direto.


Homens rohingya empurram um barco de pesca até a margem, 4 de julho de 2015, Shamlapur, Bangladesh. Nos últimos meses, milhares de rohingyas desembarcaram nas costas da Indonésia, Malásia e Tailândia. Muitos deixam o litoral sul de Bangladesh em barcos de pesca para se encontrar com navios maiores em alto mar, que os conduzirá até a Malásia, viagem que pode custar até 2 mil dólares. Créditos: Shazia Rahman/Getty Images

Um porta-voz da OIM contou à Motherboard que a situação está particularmente desastrosa para requerentes de asilo rohingya e migrantes econômicos bengaleses que atravessam o mar de Andamão rumo a Malásia.

Em 2008, a Malásia subtraiu caminhos jurídicos de migração para bengaleses. Como resultado, mais pessoas apelaram para contrabandistas. A exploração cresceu junto. A OIM relatou que imigrantes permanecem meses presos no mar e, caso não sejam resgatados por determinada quantia pelas famílias, são vendidos como trabalhadores ou escravos sexuais.

A grande questão é: com tantos relatos disseminados sobre o caráter cruel do negócio, por que contrabandistas não são punidos?

É sempre difícil lidar com crimes multinacionais. Além disso, leis internacionais contra o contrabando de pessoas são apenas um conjunto de diretrizes e, por natureza, a maioria dos contrabandistas opera em países marcados por corrupção e instabilidade. Mirar nos criminosos por trás dos barcos parece fútil.

McGregor e a Anistia apontam para uma raiz mais profunda.

“A rede de contrabando não existiria — pelo menos não na proporção atual — se o sistema global responsável por assegurar com que pessoas possam solicitar asilo com segurança não estivesse falido como está”, disse ele. “Se quisermos enfrentar o comércio do contrabando de pessoas, precisamos reavaliar o sistema.”

Salva-vidas

Em 4 de outubro de 2013, a Europa acordou com a notícia de que um barco com mais de 500 imigrantes havia virado na costa da ilha italiana de Lampedusa. A apenas 320 quilômetros da Líbia, é o porto europeu mais próximo para muitos migrantes. Os sobreviventes disseram que estavam tão perto da ilha que observavam os faróis dos carros em movimento logo antes da embarcação afundar.

Após dias de busca, as autoridades confirmaram a morte de 368 pessoas. Pouco menos de uma semana depois, outro naufrágio tomou 30 vidas. O Primeiro Ministro de Malta alertou para o fato de que o Mediterrâneo estava virando um cemitério e apelou para a UE ajudar a proteger a fronteira ao sul da Europa.

A Itália tirou da cartola uma operação de busca e resgate chamada Mare Nostrum. Nos doze meses seguintes, a iniciativa resgatou mais de 150 mil pessoas do Mediterrâneo, mas não conseguiu evitar a morte de 3 mil migrantes. Mais e mais barcos içaram vela rumo à Europa.

A maioria daqueles que chegaram às costas italianas não permaneceram na Itália, espalharam-se, buscando asilo ao redor de toda a Europa. Com aplicações para asilo em crescimento, a UE não poderia mais ignorar a situação no Mediterrâneo e decidiu endossar um substituto para a operação italiana. A União decidiu que a iniciativa salva-vidas da Itália estava deixando a travessia do Mediterrâneo mais segura e convidou migrantes para os litorais europeus. Com base nisso, a operação reduzida da UE que substituiu a Mara Nostrum virou mais proteção de fronteira do que de busca e resgate.
A distinção não impediu com que o número crescente de migrantes fizesse a viagem.

Nadando contra a maré

Uma guerra novinha em folha na Ucrânia, conflitos extensos no Afeganistão e na Somália, abusos de direitos humanos na Eritreia e caos na Líbia são alguns dos fatores por trás dos recordes de pessoas deslocadas.

Migração naval é apenas um pedacinho do problema. Entre os 13,9 milhões de refugiados ano passado, 11 milhões se deslocaram dentro das próprias fronteiras, e a maior parte dos 2,9 milhões restantes procurou abrigo em países vizinhos.

O Mediterrâneo testemunha o grosso dos migrantes que viajam de barco. Por um lado, a Europa não consegue acompanhar o influxo de barcos; por outro, os contrabandistas norte-africanos não conseguem construir barcos rápidos o bastante. Enquanto isso, contrabandistas com muito menos escrúpulos já resolveram o problema: começaram a enviar a carga humana em botes infláveis.

Depois de um período particularmente trágico, semana passada, o Chefe de Missão da OIM na Itália alertou a Europa que o problema vai além dos mares.

“As operações de busca e resgate em alto mar não podem ser as únicas responsabilidades da Europa frente a esse desastre humanitário... Enquanto não houver alternativas seguras para os migrantes, gangues criminosas continuarão a empacotar pessoas em embarcações impróprias, e podemos contar com mais tragédias”, disse ele.
Tradução: Stephanie Fernandes