domingo, 5 de março de 2017

Grande escola



Os YouTubers cirurgiões são a parte mais sangrenta e educativa da internet




Feb 22 2017, 11:19am
A pedido de seus pacientes, médicos têm publicado milhares de vídeos de procedimentos cirúrgicos extremamente invasivos.

Existe um mercado obscuro de vídeos de cirurgias na internet. A maioria das mídias enojaria até os mais corajosos e morbidamente curiosos: são corações arrancados de caixas torácicas, extrações de dentes de siso ou artroplastias totais do joelho. Muitas vezes, as cirurgias são transmitidas em tempo real nas redes sociais. São quase como vlogs sangrentos.

Uma rápida busca pelos termos "cirurgia educacional" ou "cirurgia real" no YouTube rendem milhões de resultados. Pessoas têm dado à luz e feito lifting faciais ao vivo. No embalo a, alguns cirurgiões plásticos estão usando o Snapchat para atrair novos pacientes, como o Dr. Matthew Schulman, que transmite cenas de seus procedimentos cirúrgicos para milhões de seguidores.

A cirurgia bariátrica, que tem seu próprio séquito de fãs curiosos, também vem fazendo sucesso na internet. Dr. Thomas Brown, cuja clínica no estado de Colorado, nos EUA, publica vídeos desses procedimentos feitos com auxílio de robôs, disse ao Motherboard que os vídeos são publicados a pedido dos pacientes. 

Já na década de 90, quando Dr. Brown começou a se especializar em laparoscopias, seus pacientes exigiam que o procedimento fosse filmado e entregue a eles em fitas VHS. Hoje, durante o processo de consentimento informado, os pacientes concordam em ter suas entranhas filmadas para fins educacionais.


"Em média, cada pessoa passa um ano cogitando passar por uma cirurgia, e, desse ano, seis meses são gastos pesquisando relatórios, estudos e vídeos", diz Brown.

Entrevistar possíveis cirurgiões é uma parte importante do processo de opção pela cirurgia bariátrica. Entre muitas outras questões, pacientes já perguntaram a Brown qual tipo de grampo ele utiliza e quem os fabrica. "Os pacientes são muito inquisitivos", acrescenta o médico.

Postar vídeos sanguinolentos é também uma forma de atrair novos pacientes. Não costumamos fazer um dossiê sobre o médico que irá tirar nosso apêndice, mas quando se trata de cirurgias eletivas, muitos pacientes escolhem seus cirurgiões com base em pesquisas na internet.

Os vídeos são também uma ferramenta de troca de conhecimento. A empresa que fabrica os robôs cirúrgicos de Brown, a Intuitive Surgical, solicitou alguns de seus vídeos para ensinar outros cirurgiões a manejarem as ferramentas. Brown teve que passar por seis meses de treinamento antes de operar o robô de forma adequada.

Embora o YouTube não tenha uma política específica em relação a vídeos cirúrgicos, ele possui uma série de regras quanto à divulgação de mídias com violência explícita: segundo o regimento do site, cenas explícitas para fins educativos — cuja intenção não é chocar ou ofender — são permitidas. Entretanto, os usuários devem utilizar títulos descritivos, de forma que os espectadores saibam onde estão se metendo.

Para o Dr. Steven Safran, um oftalmologista especialista em córneas de Nova Jersey, ensinar e aprender com outros médicos é um dos principais benefícios dessa prática (sem contar a oportunidade de incomodar o resto de nós, mortais, com vídeos horríveis de olhos sendo cortados).


"Aprendo tanto com meus sucessos quanto com meus resultados menos prósperos", disse Safran em um email. "O processo de edição nos força a ver as coisas mais de perto, o que me ajuda a entender como agir melhor ou de forma diferente no futuro. Isso faz parte de um processo de aprendizado do qual ainda faço parte".

Já Brown compara assistir às suas cirurgias com um treinador de futebol analisando cenas de jogos passados. "Você assiste esses vídeos e diz, nossa, será que eu poderia ter costurado esse ponto de forma diferente, ou será que seria melhor colocar o ponto nesse e não naquele lado?".

Chegará o dia em que vídeos de cirurgias se tornarão tão comuns quanto tutorias ou streams de jogos? É difícil dizer. Como o Facebook é um domínio público, Brown não acredita que esse tipo de atividade educacional seja adequada ao site. Na rede social, esse tipo de vídeo tende mais ao filme de terror do que à aula de ciências.

Por outro lado, encontros nacionais de profissionais da área médica muitas vezes oferecem sessões com três ou quatro cirurgias transmitidas ao vivo, seguidas por uma sessão de perguntas respondidas por cada cirurgião. A Intuitive Surgical organiza versões online desses eventos, no qual médicos acompanham cirurgias ao vivo e fazem perguntas durante os procedimentos. A empresa, que fabrica robôs cirúrgicos controlados remotamente, já está na vanguarda da medicina. Talvez algum dia nós gravaremos cirurgias em 360 graus, transmitindo-as em óculos de realidade virtual e dando a todos uma chance de dar uma espiadinha nas entranhas de um total desconhecido.

No final do ano passado, Schulman disse ao Motherboard que, embora o Snapchat seja sua atual plataforma de escolha, ele e outros cirurgiões tentam estar sempre um passo à frente de seus pacientes.

"O que eu ofereço é, essencialmente, um espetáculo", diz ele. "Um espetáculo educativo, é claro, mas ainda sim um espetáculo".
Tradução: Ananda Pieratti - Motherboard