segunda-feira, 3 de abril de 2017

Os caronas brasileiros



O carpool vai chegar forte no Brasil, mas será que vai pegar?


Mar 24 2017, 3:26pm


Em poucos meses, Waze e Moovit oferecerão serviços em que motoristas comuns poderão dar carona por preços menores do que Uber e afins. 

A hora do rush acaba com o astral da sofrida classe trabalhadora brasileira. O trânsito é infernal, o transporte público abarrotado força interações humanas involuntárias e seu app de transporte privado quer enfiar a faca em você devido à alta demanda.

A gente já sabe que o deslocamento em grandes cidades é um problema endêmico e que ninguém vai resolvê-lo do dia para a noite. No entanto, para tornar a experiência do trânsito menos pior e ainda ser ecologicamente correto, duas grandes empresas anunciaram que vão trazer suas plataformas de carona solidária (ou carpool, do termo em inglês) para o Brasil, no que parece ser uma das últimas fronteiras da economia colaborativa de transporte individual. 

Por coincidência ou não, Waze e Moovit, ambas com fama global, começaram em Israel. A primeira é responsável pelo maior guia do motorista do século 21 que não manja (e provavelmente nunca vai manjar) direito onde está; já a segunda oferece um app de transporte público com informações de ônibus e itinerários. Ainda que não confirmem datas exatas, Waze disse que iniciará o serviço "neste ano", enquanto o Moovit se restringiu a um "em breve".

A premissa dos dois carpools é parecida: conectar motoristas e passageiros que tenham trajeto em comum. Quem pega a carona, em contrapartida, deve pagar uma quantia ao condutor para cobrir gastos que é baseada na distância percorrida. A ideia das companhias é cobrar uma taxa pela intermediação.

É interessante notar que as companhias têm ativos complementares: enquanto uma tem o cadastro de 65 milhões de usuários mundialmente (provavelmente a maioria composta por motoristas) a outra tem 50 milhões de passageiros (o Moovit).

O Waze Carpool, como é chamado o serviço, começou em 2015 em Israel e no ano passado passou a funcionar em algumas partes da baía de San Francisco, na Califórnia (EUA). Como a plataforma é nova, tem havido mudanças direto, segundo Di-Ann Eisnor, diretora global do Waze, que conversou com o Motherboard durante evento realizado pelo Google em São Paulo. Ok, e como seria uma adaptação da plataforma para a realidade brasileira?

"Após conversar com potenciais usuários, desenvolveremos aqui no Brasil um recurso de gender matching, que permitirá que mulheres possam pegar carona apenas com mulheres, por exemplo. Além disso, como em outros países, teremos apenas pagamento em cartão de crédito, pois dinheiro é muito imprevisível", afirmou. Os usuários poderão ver informações de perfil, foto de quem está oferecendo ou querendo carona e o modelo do veículo.

Outro ponto da modalidade é funcionar com o livro de regras das cidades debaixo do braço em relação à cobrança. Nos Estados Unidos, por exemplo, um serviço de carona solidária não pode cobrar mais de US$ 0,54 por milha — acima disso, o transporte é considerado atividade profissional, o que obrigaria a companhia a pagar taxas. Segundo a empresa, o valor de uma carona de carpool em San Francisco é quatro vezes menor que uma corrida de Uber.

"A princípio, vamos limitar a duas viagens por dia. A plataforma é para o deslocamento diário, não é algo para você ganhar dinheiro ao ponto de que isso vire uma ocupação", explicou a executiva do Waze, pontuando a diferença entre o serviço e o tipo de atividade exercida pelo Uber.

"Como as pessoas não estão acostumadas com essas caronas, a ideia é fazer uma transição suave com colegas de trabalho"

Para facilitar a adoção, a companhia vai se aproximar de empresas que querem sugerir a ferramenta para seus funcionários. "Como as pessoas não estão acostumadas com essas caronas, a ideia é fazer uma transição suave com colegas de trabalho. Lembro-me que em minha primeira vez como passageira, o motorista era praticamente meu vizinho e trabalhava no mesmo prédio que eu, porém nunca tinha visto ele antes", relatou Di-Ann.

O Moovit Carpool, por sua vez, começou em Israel no início de 2016. Além disso, a plataforma está disponível em Roma e em Lácio, na Itália.
Por ser um app para usuários de transporte público, a função carpool estará disponível na aplicação convencional da companhia, junto de opções de deslocamento usando transporte público (ônibus, trem ou metrô) e transporte individual (como Uber, por exemplo).

Não tem muito segredo: a pessoa informa origem, destino e horário. Aí, na sequência, aparecem os motoristas que farão o mesmo trajeto. Por parte do motorista, a interface lembra um calendário. Ele diz quando haverá deslocamento, o preço e passa a receber pedidos de caronas.


Tela do serviço de carpool da Moovit para passageiro israelense. Crédito: Divulgação

"A gente não quer que o motorista saia de sua rota original — ainda que alguns condutores flexíveis possam querer combinar com o passageiro. Como temos um grande banco de dados de pontos de ônibus, é possível que o caronista possa aguardar pelo carro em uma das paradas", disse Yovav Meydad, vice-presidente de produtos e marketing do Moovit, em bate-papo com o Motherboard.

Uma diferença interessante da plataforma do Moovit para a do Waze é a possibilidade de o motorista escolher o preço que vai cobrar. "Sugerimos valor baseado na distância. No entanto, alguns motoristas nos informaram que não queriam cobrar, pois estavam fornecendo carona por ativismo", afirmou o executivo da empresa. O valor máximo, como no caso do Waze, não ultrapassa o permitido por lei.

Uma vez que ocorre a combinação entre o motorista e o passageiro, é possível que as partes envolvidas conversem via chat e até vejam o perfil no Facebook — o login é feito pela rede social.

Se formos analisar bem, a iniciativa não é necessariamente nova no país. O site Caronetas, por exemplo, busca conectar passageiros e motoristas que trabalham em um mesmo local, como centros empresariais, para um trajeto comum. Há ainda o serviço da francesa Blablacar, que promove caronas de longas distâncias — como ir para o litoral ou uma cidade do interior. Porém, nenhum deles conta a abrangência no número de usuários que Waze ou Moovit tem. Só em São Paulo, o app de navegação diz ter 3,5 milhões de usuários ativos por mês — o Moovit não detalha esse tipo de informação.

Nos Estados Unidos, o Lyft, que oferece serviços de motorista particular como o do Uber, tentou entrar no mercado de carpool, porém interrompeu a modalidade por ter tido pouca adesão de motoristas.

Tem que ver isso aí

Por ora, as empresas dizem que a experiência de carpool nas poucas cidades que atuam têm sido positivas. No entanto, vai ser interessante observar como este tipo de iniciativa vai funcionar no Brasil. 

A cidade de São Paulo, por exemplo, já conta com uma legislação de carona solidária que inclusive prevê a intermediação do processo por empresas de tecnologia. "Qualquer empresa interessada deve se credenciar como OTTC (Operadora de Tecnologia de Transporte Credenciada) e responsabilizar-se por: cadastro de veículos e usuários; atender a requisitos mínimos de segurança, conforto, higiene e qualidade; intermediar, coordenar e controlar a divisão dos custos entre o condutor provedor da carona e os passageiros." O decreto municipal 56.981/2016 também define que não pode ser uma atividade profissional nem ter fins lucrativos.

Rafael Calabria, pesquisador em mobilidade urbana do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), considera a iniciativa positiva, pois pode ajudar a desestimular o uso do carro com apenas uma pessoa. No entanto, considera que o assunto é complexo e ainda deve ser alvo de debate.


"A doutrina jurídica entende que o CDC (Código de Defesa do Consumidor) só se aplica a relações profissionais. No caso de carpool, uma possível interpretação é que o intermediador deva ter responsabilidade para com o motorista e o passageiro. Também deve-se levar em conta o tipo de exigências solicitadas pelo app, pois se detalhar muito, pode configurar uma relação trabalhista", afirmou.

É comum que a cidade incentive a carona solidária estabelecendo, por exemplo, vias específicas para carros com mais de uma pessoa. Em San Francisco, a situação deu uma azedada. Após separar uma faixa apenas para carpool, as autoridades consideram restringir a exclusividade para horários específicos e implementar um sistema de segurança mais rígido para impedir que carros com apenas uma pessoa utilizem a faixa sem punição.

Há ainda algumas outras questões em aberto de como o serviço poderia funcionar localmente. Se o usuário e o motorista decidirem parar de usar o app como intermediador, como as plataformas vão reagir? Segundo Yovav, do Moovit, este tipo de comportamento ainda não foi detectado nas cidades em que o serviço funciona.
E em caso de acidente ou roubo? Quem leva a culpa? Ambos os apps apostam bastante em suas comunidades de usuários que costumam ser bem engajadas (notificando incidentes ou alterações em linhas de ônibus) que fornecem dados. Porém, nestes casos, é por conta e risco do motorista e do passageiro. A intermediadora não prevê nenhum tipo de seguro.


Enquanto as plataformas não chegam ao Brasil, só nos resta esperar como vai ser a receptividade do brasileiro que, tradicionalmente, é early adopter em serviços do tipo. Pode se preparar para situações bem esquisitas, como pegar carona com chefes de outro departamento ou descobrir que o chato do suporte é seu vizinho. Ou, sei lá, achar sua futura ex-esposa.

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