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Matéria publicada
em dez 2014. Para outras meninas lerem. Para outros oprimidos se inspirar.
Aos dezoito anos, Sara Haider começou a tocar música por ela
própria, a cantar música islâmica e depois passou para o cenário do rock
underground do Paquistão. Sem nenhum artista na família, ela estudou música
clássica na Instituição de Música Clássica de Karachi (NAPA), mas encontrou
dificuldades para ingressar em uma indústria dominada por homens.
“Os artistas e as bandas de garotos
foram a maior barreira para mim quando comecei a fazer música pela primeira
vez,” diz Haider em uma entrevista por e-mail. Inicialmente, ela foi desencorajada
a interpretar músicas consideradas ’de homem’, mas encontrou um modelo musical
com 75 anos Saffiya Beyg,
uma autodidata da música clássica oriental. “Aprender com Saffiya foi
fantástico para mim, principalmente por ser uma adolescente que não sabia como
era difícil fazer isso,” diz Haider.
Haider interpreta
“Tara Saath,” extraído da Uth records no canal do YouTube.
Três ou quatro décadas atrás,
mulheres como Noor Jehan, Iqbal Bano, Farida Khanum, Abida Parveen, Nayyera Noor, Tina Sani e Nazia Hassan dominavam
o cenário da indústria da música no Paquistão, mas as coisas mudaram com as
bandas de pop, rock e a fusão do Oriente com o Ocidente que assumiram lugar.
Nesta nova ordem musical, as artistas jovens e independentes como Haider
tiveram de traçar seu próprio caminho. Isto vale especialmente em um país onde
existem poucas escolas formais de música e a música é uma hunar (habilidade)
tradicional passada de geração para geração dentro das famílias, senão
pelos ustaads (professores) particulares.
“As mulheres no Paquistão não têm as
mesmas oportunidades para fazer o que quer que seja, muito menos na música”,
segundo Haider. Ela nasceu na mega cidade progressista de Karachi, muito
longe da província Khyber Pakhtunkhwa no Paquistão,
lugar de uma recente revolta dos talibãs que proibiu música e dança. No
entanto, mesmo na cidade mais liberal do Paquistão, ela observa que as mulheres
do país não têm acesso às mesmas oportunidades musicais dos homens.
“Se uma garota de uma família
qualquer do Paquistão disser a seus pais que quer estar no palco com cinco
músicos e um microfone nas mãos todas as noites, as coisas não correrão muito
bem,” afirma Haider.
Atualmente, no Paquistão, muitas
vezes as mulheres não conseguem ter uma carreira musical por causa postura da
família conservadora, a insegurança política e a desigualdade de gênero.
Como a indústria da música
paquistanesa cresceu e formalizou-se, ela partiu do clássico para o pop e rock.
A reduzida participação feminina na nova indústria da música do país é o mais
amplo símbolo de uma diferença de gênero. As paquistanesas carregam o décimo
lugar do mundo na força de trabalho, mas sofrem da crônica falta de mulheres no
mercado de trabalho. Depois do Iémen, o Paquistão tem a última posição mundial para a igualdade de
participação no trabalho.
Onde estão as
escolas de música?
Na música, esta desigualdade deve-se
em parte à falta de acesso à educação musical. Normalmente, segundo a política
hereditária do sul da Ásia, os artistas surgem de gharanas ou
famílias de músicos. Para aqueles que nasceram sem tradição musical, o ensino
da mesma exige a tutela de um ustaad, o professor. O orientador
dos ustaads, cujo apoio individual substitui a educação formal,
está profundamente enraízado na cultura musical tradicional do sul da Ásia.
Salvo poucas exceções, como Safiya Beyg, a maioria dos ilustres
professores são homens.
Apesar de as mulheres poderem ser
alunas dos ustaads, o músico ativista Zeejah Fazli afirma que atitudes
conservadoras em relação à mobilidade feminina e a purdah (discriminação
de gênero) geralmente restringem as opções, tornando as mulheres mais ligadas
aos ustaads locais.
“Mulheres que não têm autorização
para fazer viagens longas ou para se deslocarem a outra cidade para trabalharem
sua música em um estúdio decente estão normalmente dependentes do ustaad mais
próximo ou mais acessível,” comenta Fazli.
De acordo com a artista pop
paquistanesa Zoe Viccaji, a formação musical ocidental é
praticamente inexistente no Paquistão e os aspirantes a músicos devem confiar
no autoaprendizado.
“De fato não existe um sistema de
educação musical. Só comecei a formação vocal há 2 ou 3 anos. Todo ano,
procurava cursos online,” comenta Viccaji.
No Paquistão, a música raramente é
incorporada no currículo nacional, deixando a maioria dos estudantes aprender
por eles próprios — apesar de a maioria nunca o fazer. Em 2011, em resposta a
uma pesquisa do jornal
paquistanês de psicologia social e clínica, 90% dos jovens entrevistados
afirmaram não tocar nenhum instrumento. Instituições de música como a Academia Nacional de Artes Cênicas de Karachi (NAPA) são
raras, só começaram a surgir em 2005.
Isso faz com que qualquer um com
talento musical seja muito procurado, inclusive as mulheres.
A cantora e compositora indie Natasha Ejaz, que vem ensinando música há 3 anos,
afirma que “as famílias progressistas não hesitam em mandar suas filhas para
aprenderem a cantar ou tocar um instrumento. Talvez os pais se sintam
tranquilos em mandá-las por eu ser mulher.”
Ejaz estudou música clássica oriental
no Paquistão sob a orientação do professor Sultan Fateh Ali Khan e produção de
áudio na Faculdade Internacional de Música da Malásia. “Nem todos esperam que
eu saiba o que fazer em um estúdio e como, mas depois me vêem trabalhando e
mudam de opinião,” comenta Ejaz.
Ainda que Ejaz seja uma produtora
musical de sucesso, é difícil encontrar outra produtora no Paquistão. Pior,
como o sistema escolar nacional do país ignora o ensino da música, os artistas
ambiciosos não têm outra alternativa a não ser o autoaprendizado, terem aulas
particulares caras ou irem estudar para o exterior.
“A indústria da música deveria estar
tomada de produtoras, engenheiras de som, bateristas e guitarristas — claro que
existem grandes barreiras,” Haider conclui.
A falta de locais
seguros
As mulheres atribuem os desafios na
carreira aos tumultos da política nacional e à indústria subdesenvolvida —
destacando também as raras oportunidades para os homens. Dada a fraca
infraestrutura educacional e a falta de espaços para apresentação, as
oportunidades musicais sofrem universalmente.
Os distúrbios políticos do país
também geram uma série de problemas de segurança que paralisam os espetáculos —
muitas vezes sem aviso prévio. No ano passado, o Departamento de Estado registrou 355 atos
terroristas só no Paquistão.
“Cada vez que você planeja um show,
inevitavelmente você lida com greves ou paralisações,” Viccaji explica. “Por
exemplo, pessoas desencorajam-no na Chand Raat (véspera de
feriado) e falam para você não atuar dizendo ‘É um festival religioso, tocar
música banaliza-o.”
Apesar dos desafios na segurança
afetarem todos, a falta de locais seguros no país pode ser pior para as
intérpretes femininas, que em grande parte se apresentam para uma multidão de
homens.
“Pode ser assustador estar rodeada
por um mar de homens e um pequeno grupo de mulheres — você deve perguntar a si
própria até que ponto você quer fazer isso,” diz Haider.
Como a maioria dos shows são à noite,
Haider afirma que as mulheres enfrentam desafios de segurança adicionais. Atuar
a altas horas da noite pode ser considerado impróprio pelos grupos militantes
como os talibãs paquistaneses.
“Os artistas não começam a trabalhar
às 8 da manhã. Nosso trabalho começa depois e termina mais tarde,” explica
Viccaji. Com a janela do seu carro insufilmada, Viccaji muitas vezes dirige
sozinha depois da meia noite em Karachi, uma das cidades mais povoadas do
mundo. Karachi é sinônimo de crimes nas ruas e sequestros aos olhos da
maior parte dos paquistaneses.
“Todos perguntam, ‘como consegue
dirigir às 3-4 da manhã em Karachi? Você está pedindo para alguma coisa
acontecer.’ Eles temem o fato de você ser uma garota. Você não está a salvo nem
dos policiais,” explica Viccaji.
Depois de estudar nos EUA, Viccaji
ficou acostumada a caminhar sozinha pelas ruas e disse que o retorno para
Karachi exigiu dela a reavaliação de medidas de segurança. A maior parte dos
seus colegas pediu que tivesse um segurança em todo lugar enquanto atuasse, o
que ela achou desconcertante.
Viccaji está consciente de como o
gênero determina a maneira como os outros profissionais da indústria a tratam.
Aos 17 anos, Viccaji se juntou com a banda ‘Ganda Bandas‘ (Humanos
Sujos), mas agora atua a solo, o que exige fazer escolhas independentes — sem a
ajuda dos homens.
“Mesmo quando eu estava contratando
um gerente, sentia que só era levada mais a sério quando meu pai, uma figura
masculina, estava lá,” diz Viccaji.
Viccaji recorda um incidente
embaraçoso, quando ela convidou um produtor até à sua casa para uma reunião.
“Depois ele me contou que ‘Nunca fui convidado para a casa de uma mulher
sozinha — ele nunca tinha experimentado isso antes no Paquistão.”
“Estou totalmente consciente de que
como artista você está trabalhando sozinha. Como mulher você deve ser cautelosa
na maneira de falar com os homens, assim não há nenhum mal-entendido. Se eu
fosse um garoto, tenho a certeza de que seria só um local de trabalho.”
Mais do que o gênero, as mulheres
denunciam que são as atitudes familiares em relação à música que determinam o
acesso à educação musical e à interpretação.
Haider assegura que entre seus
amigos, a mesma retórica familiar do desencorajamento acontece, dissuadindo
inclusive a mulher mais talentosa. “Uma grande amiga minha canta lindamente.
Ela pegou o violão aos 15 anos e escreveu seu próprio material aos 17, mas ela
vem de uma família extremamente conservadora,” conta Haider. “Ela é educada e
tem uma boa situação financeira — seus pais permitiram-na ir à escola com
meninos, aprender a dirigir e vestir jeans. Mas cantar na frente de uma
multidão ou estar na TV está fora de discussão. Há histórias como esta em todo
o lugar,” afirma Haider.
Olhando para o
futuro
“As pessoas canalizam sua frustração
e esperança em suas músicas,” explica Haider. “Não importa o que digam sobre a
indústria da música no Paquistão, é uma grande força de emoção e catarse.”
Apesar das contrariedades, as
paquistanesas que estão aparecendo na indústria da música são aceitas, Fazil
diz: “A indústria está procurando por mulheres artistas.”
Há vantagens em ser uma das poucas
mulheres. Dada a escassa quantidade de mulheres, Viccaji nota que há menos
competição. Assim que uma mulher atinge a mais alta posição, como Abida Parveen
ou Nazia Hassan, geralmente existe uma maior valorização daquelas que são mais
reconhecidas e atraem o público.
“Não existem muitas artistas mulheres
— em geral não há muitos artistas no Paquistão. Por isso, há uma maior
possibilidade de mais pessoas escutarem a música,” conclui Viccaji.
Esta história foi encomendada
pela Freemuse,
líder na defesa de músicos em todo mundo e pelo Global Voices para Artsfreedom.org. Este artigo pode
ser republicado por um meio de comunicação não-comercial, mencionando sua
autora Sabrina Toppa, a Freemuse e o Global Voices, vinculando ao original.