terça-feira, 26 de setembro de 2017

IA, o que será dos homens?



Até os hackers perderão seus empregos para a inteligência artificial

Set 25 2017, 1:17pm
Num futuro não muito distante, seu antivírus provavelmente vai ser mais inteligente do que você.





A internet não é um lugar tão bonito quanto os anúncios de bancos online nos dizem. Com dois ou três cliques em falso, você acaba baixando e executando um arquivo que não deveria. Pode ter suas informações bancárias roubadas, seus arquivos trancafiados por ransomware ou abrir as portas da sua rede pra alguém só querendo dar uma aloprada.

O ano de 2017, até agora, não foi tranquilo para quem trabalha com segurança da informação. Em maio, tivemos o ataque com o ransomware WannaCry que infectou computadores ao redor do mundo. Poucos meses depois, quando a poeira tinha baixado, veio mais um grande ataque Trancafiando sistemas atrás de chaves criptográficas praticamente impossíveis de ser decifradas, o surto de infecções do Petya abalou junho e deixou um alerta vermelho no ar. Será que dá para piorar?

Apesar do clima de preocupação rondando a internet o tempo todo, Stuart McClure — autor do livro Hackers Expostos e CEO da Cylance — está tranquilo. Em sua apresentação durante o Mind The Sec, evento de segurança da informação voltado para o pessoal responsável pela tomada de decisão nas empresas e governo, em São Paulo, McClure defendeu que, com a aplicação de Machine Learning nas defesas virtuais, a vida está começando a ficar bem mais fácil e segura.

Ainda em 2016, bem antes desses dois grandes ataques, as empresas apostavam no aumento da complexidade e no crescimento de casos com ransomware. Paralelamente, de forma um pouco mais discreta, a discussão sobre o aumento do uso da inteligência artificial para proteger sistemas ganhava força chamando menos atenção do que suas outras aplicações mais tradicionais da IA, como o mercado publicitário ou mais engraçadinhas como visitas guiadas a museus.

Embora as pesquisas neste campo sejam realizadas há algum tempo, o debate a respeito de sua aplicação à segurança só começou a esquentar nos últimos dois anos, quando resultados mais sólidos começaram a aparecer e a ganhar espaço no noticiário. Hoje, empresas tradicionais como Kaspersky, Symantec e IBM também estão oferecendo esta proteção feita por robôs.

McClure explica que, apesar da nova aplicação, a tecnologia é a mesma utilizada há décadas e se assemelha em muito aos algoritmos de empresas como Google e Facebook para oferecer publicidade. "Estamos em um ponto inédito: é a primeira vez que as equipes de segurança estão na frente dos caras maus", afirma.

Apesar do otimismo, ele destaca que ainda estamos bastante longe de chegar ao estágio ideal desta tecnologia. O desenvolvimento das inteligências artificiais, segundo McClure, podem ser divididos em cinco gerações

Nos primeiros estágios, as máquinas ainda dependiam muito da intervenção humana para funcionar corretamente e estavam muito sujeitas a erros e falsos positivos. Ele afirma que atualmente as IAs mais avançadas estão nos primeiros momentos da terceira geração. "Estamos caminhando para o desenvolvimento de uma inteligência artificial mais generalista (General Intelligence AI)", diz. "O que nós temos hoje é uma inteligência artificial limitada (Narrow Intelligence AI), pegamos algo, a treinamos e ela consegue reconhecer o padrão daquela coisa."


 Tabela demonstrativa das gerações de inteligência artificial. Atualmente, são dados os primeiros passos da terceira geração. Ainda estamos a pelo menos cinco anos de ver a quinta geração em funcionamento. Crédito: Cylance

Um exemplo dessa inteligência artificial limitada são aplicações de identificação imagens que temos na internet, disponíveis desde antes de 2015. "No caso das IA generalistas, elas não apenas aprendem sozinhas, como também conseguem explicar as razões daquilo que aprenderam. Então acreditamos que a aplicação de IA na segurança passará por isso", diz. "Sinto que ainda estamos distantes disso, no mínimo uns 5 anos." 

Apesar da aparente vantagem, McClure reconhece que a corrida armamentista no mercado de segurança da informação pode mudar o cenário atual em poucos anos. O raciocínio é simples: se inteligência artificial pode ser utilizada para proteger, ela também pode ser facilmente utilizada para atacar.

Diante deste quadro ele adota um tom tranquilizador. "Com certeza não veremos nada deste tipo nos próximos três anos. A partir daí consigo ver pessoas começando a impactar a nossa habilidade de pegá- los." 

Ele explica que muito provavelmente quem vai aparecer atacando com IAs são os grandes atores de sempre. "Governos como Estados Unidos, que são muito bons nisso, França, a China e o crime organizado, a máfia russa, por exemplo. Qualquer um desses pode oferecer um desafio real."

Para ele, com o crescimento de complexidade, vamos começar a ver novos malware que utilizam técnicas antigas de maneiras bem mais agressivas. Uma dessas técnicas é a de escrever malwares polimórficos — que a cada execução têm seu código reescrito, de forma a aumentar muito sua detecção por sistemas de segurança. "Se eu tivesse que escrever uma arma contra a proteção oferecida pela inteligência artificial, seria um malware polimórfico baseado em inteligência artificial. Isso causaria uma dor de cabeça imensa, pois se você não pegar a primeira entrada, a primeira execução deste malware, pegá-lo depois seria incrivelmente difícil."

As baixas da corrida armamentista digital
Como já falamos aqui em mais de uma ocasião, a automatização já começou a substituir trabalhadores humanos por robôs que fazem o trabalho de uma forma mais barata, mais rápida e com menores chances de enganos. Se o processo começou ainda na segunda metade do século XX, em fábricas onde o trabalho manual e repetitivo deu lugar a braços robôs, hoje a substituição começa a acontecer em outro nível e atingir áreas que não imaginávamos ser possível ter um robô trabalhando, como transportes e cargos de gerência.

Há alguns anos, motoristas profissionais começaram a vislumbrar a possibilidade de serem substituídos, em um futuro não muito distante, por carros autônomos. Hoje são os hackers que começam a ver esta possibilidade se desenhar no horizonte. 

Para McClure, porém, o horizonte dos hackers não é tão sombrio assim — pelo menos não em um futuro próximo — pois, como aponta, existe uma "escassez de talentos em cibersegurança". Segundo ele, uma das perguntas mais comuns feitas a ele por pessoas que estão começando a empregar robôs na segurança é o que fazer com os profissionais que a inteligência artificial vai ser capaz de substituir.

Apesar de defender as vantagens dessas máquinas, McClure lembra que estes sistemas não são o que é chamado na computação de "bala de prata" — ou seja, não solucionam todos os problemas. "Nossa instrução nesses casos é empregar essas pessoas para proteger o 0,1% que esta tecnologia não cobriria, esses especialistas teriam que correr atrás de um número bem reduzido de ocorrências e com isso ir atrás de resolver as coisas realmente difíceis: os ataques vindo de outros países, ataques feitos utilizando outras inteligências artificiais e coisas do gênero."

domingo, 10 de setembro de 2017

Suicídio e a razão de viver



Os cientistas que buscam decifrar o gene do suicídio

Motherboard\Vice





Casos de suicidas na mesma família abriram as portas para uma longa investigação: a tendência a tirar a própria vida está ou não no DNA?

Uma carreira política, um bilhete de despedida, um tiro de revólver. Há três gerações, a história se repete na família Vargas. Tudo começou em 24 de agosto de 1954, quando o então presidente da República, Getúlio Dornelles Vargas, de 72 anos, saiu da vida para entrar na História com tiro no peito. Em 15 de janeiro de 1997, um dos cinco filhos dele, Manuel Antônio Sarmanho Vargas, de 79 anos, repetiu o gesto do pai. Deu fim à própria vida com um disparo no coração. No último 17 de julho, foi a vez de Getúlio Dornelles Vargas Neto, de 61 anos: a polícia descobriu um ferimento de arma de fogo na cabeça e, ao lado do corpo, uma carta de despedida endereçada à família.

Casos assim não são raros. O mais famoso deles talvez seja o de Ernest Hemingway, que se matou com um tiro de espingarda, em 2 de julho de 1961. Cinco membros do clã do escritor – incluindo seu pai, um irmão e uma irmã – tiraram a própria vida. Diante disso, uma pergunta é inevitável: qual a parcela de culpa da genética em casos de suicídio em família? Será que existe, de fato, um gene do comportamento suicida? "O comportamento suicida, bem como o comportamento humano de forma geral, tem inegável determinismo genético", afirma a bióloga Sandra Leistner-Segal, do Laboratório de Genética Molecular do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. "No entanto, as formas de transmissão são complexas e ainda pouquíssimo compreendidas."

Pelo mundo afora, pesquisadores das mais conceituadas universidades tentam descobrir se, afinal, a tendência a se matar está no DNA. O protocolo das pesquisas, na maioria dos casos, obedece ao mesmo ritual: recrutam-se voluntários com diagnóstico de depressão ou transtorno bipolar. Desses, investiga-se quantos já tentaram o suicídio. Em seguida, compara-se o DNA desses suicidas em potencial com o de indivíduos saudáveis. As descobertas são variadas: Zachary Kaminsky, da Universidade Johns Hopkins, nos EUA, concluiu que o comportamento suicida está ligado a uma variação no gene SKA2. Já Virginia Willour, da Universidade do Iowa, identificou o gene ACP1 como relacionado à tentativa de suicídio. J. John Mann, da Universidade de Columbia, por sua vez, está convencido de que a chave do enigma está numa mutação do gene GSR2. Qual deles está com a razão?

"Um dia chegaremos perto de identificar os genes de transtornos mentais. Quando esse dia chegar, desenvolveremos drogas preventivas que reduzirão incidência de esquizofrenia, por exemplo."
"As pesquisas em genética permitiram identificar inúmeras variações na sequência de DNA que podem ter efeito na gênese do comportamento suicida. No entanto, esse efeito ainda é muito pequeno ou insuficiente", pondera o psiquiatra Jair Segal, que concluiu seu doutorado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com o tema Aspectos Genéticos do Comportamento Suicida. "Ao contrário do que se pensava inicialmente, um único gene ou conjunto de genes não pode ser responsabilizado pelo comportamento suicida. O fenômeno é multigênico", afirma Segal, que coordena a equipe de Saúde Mental do Hospital de Pronto Socorro (HPS) de Porto Alegre.

Mais que multigênico, o suicídio é fenômeno multifatorial. É o que faz questão de salientar a psiquiatra Alexandra Meleiro, doutora pelo Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora da Comissão de Estudo e Prevenção ao Suicídio da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Dos 32 suicídios registrados por dia no Brasil, segundo estimativas do Ministério da Saúde, quantos são provocados por fatores genéticos e quantos são motivados por razões ambientais? Impossível saber. "Há indivíduos que têm predisposição genética e continuam vivos, e há outros que não têm e se suicidam", diz Meleiro.

No caso da família Vargas, o que mais chama a atenção de Alexandrina é o fato de os três – pai, avô e neto – terem tirado a vida depois dos 60. "Em geral, quando existe um componente genético, o suicídio se dá em uma idade mais jovem. Na terceira idade, costumamos dizer que os indivíduos não desenvolveram estratégias de enfrentamento dos problemas", explica a psiquiatra, referindo-se, entre outros motivos, ao acúmulo de perdas (de saúde, autonomia, produtividade, etc) e ao isolamento social. No Brasil, o número de casos de suicídios entre idosos, a propósito, subiu inacreditáveis 215,7% entre 1980 e 2012. 

Dá para saber pela genética se alguém tem tendência a se matar?
Muitos dos que hoje se dedicam a investigar o DNA do suicídio sonham, no futuro, detectar, por meio de testes genéticos, se um determinado indivíduo tem propensão a se matar. Para o psiquiatra Neury José Botega, do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a hipótese acima está mais para Os Jetsons que outra coisa. Mesmo assim, ele não perde as esperanças. "Um dia, acredito eu, chegaremos perto de identificar os genes de inúmeros transtornos mentais. Quando esse dia chegar, desenvolveremos drogas preventivas, que conseguirão reduzir a incidência de esquizofrenia, transtorno bipolar etc. Esse dia ainda está longe de chegar, mas o cara que descobrir isso leva o Nobel de Medicina", diz.

Enquanto esse dia não chega, Botega aconselha cuidar melhor de nossas crianças. "Estimulando a empatia, desenvolvendo a resiliência, respeitando as minorias", diz o psiquiatra. Alexandrina Meleiro concorda. Algumas medidas de prevenção do suicídio são: aumentar o esclarecimento da população sobre os transtornos mentais – 90% dos suicidas são portadores de distúrbios, muitas vezes não diagnosticados –, propor iniciativas eficazes como o Centro de Valorização da Vida (CVV) que oferece esperança e restringir o acesso a meios letais, como gás encanado, pesticidas tóxicos e armas de fogo. "Não precisamos esperar a ciência descobrir o gene do suicídio para começar a pensar em prevenção. No Brasil, o oitavo país do mundo em números absolutos de suicídio, a cada 45 minutos uma pessoa tira a própria vida. A prevenção começa hoje. Quanto mais cedo, melhor", alerta Alexandrina.