A próxima
cúpula da ONU pode finalmente acabar com a guerra às drogas
Por
Stuart Rodger
abril 14,
2016
Foto:
David Hudson.
Mês que vem, os 193
países-membros das Nações Unidas vão se encontrar para falar sobre drogas. Da
última vez que isso aconteceu, em 1998, a cúpula terminou com uma ambição
bastante utópica: a total erradicação de todas as drogas no mundo inteiro.
"Um mundo sem drogas — podemos fazer isso!", declarou a cúpula. Dezoito
anos depois, os narcóticos continuam populares como sempre, com a ONU estimando que o número
de usuários de drogas ilícitas no mundo vai crescer 25% até 2050.
Enquanto isso, alguns países vêm
experimentando abordagens alternativas. Portugal descriminalizou todas as
drogas em 2001, a Suíça foi a pioneira em distribuir prescrições de heroína, e
os estados norte-americanos de Washington e Colorado legalizaram a venda de
maconha para uso recreativo. Até agora, todos esses esquemas se mostraram, no
geral, um sucesso em minimizar danos e impulsionar a economia local.
Na Sessão Especial da Assembleia
Geral da ONU (UNGASS em inglês), que começa no dia 19 de abril, várias ONGs e
grupos ativistas vão fazer lobby sobre os méritos das alternativas à proibição.
Falei com Steve Rolles, ativista de longa data do grupo britânico Transform,
que luta por políticas justas de drogas, sobre por que essa cúpula é tão
importante.
Foto: Chris Bethell.
VICE: Oi, Steve. Por que
essa cúpula importa?
Steve Rolles: A UNGASS
foi pedida pela Colômbia, México e Guatemala. Nesses países, a "guerra às
drogas" não é só retórica — ela acontece com grandes custos humanos, e
eles já estão cansados disso. Esses países chamaram a cúpula com uma reforma
específica em mente: considerar os fracassos da guerra às drogas e
"conduzir a uma análise profunda de todas as opções disponíveis, incluindo
medidas regulatórias ou de mercado" — o que quer dizer legalização.
É a primeira vez que os líderes
mundiais vão se reunir para discutir a questão das drogas nessas bases, e a
primeira reunião do tipo desde que países como o Uruguai e EUA começaram a
legalizar a maconha.
Em alguns países, pessoas ainda
são executadas por fazer o que é completamente legal em vários outros. Está
claro que o modelo proibitivo e punitivo fracassou; a UNGASS é um momento
crítico para o mundo considerar outras maneiras de seguir em frente, de tentar
políticas que possam alcançar a realidade.
A ONU se mostrava muito entusiasmada com a guerra às
drogas no passado. Você acha que isso será um problema aqui?
É difícil falar sobre a ONU como
uma entidade única. As agências de drogas da ONU são muito conservadoras e se
opõem a qualquer mudança na guerra às drogas que supervisionam há 50 anos.
Porque é isso que elas fazem, basicamente supervisionam uma guerra às drogas —
com milhares de mortes por ano — dentro de uma organização, que deveria
principalmente prevenir guerras. Os abusos de direitos humanos, os conflitos,
as doenças e as mortes que resultam dessa guerra são exatamente o problema que
a ONU deveria estar prevenindo.
Mas as agências de combate às
drogas estão cada vez mais isoladas dentro do sistema da própria ONU. Um dos
pontos positivos da UNGASS tem sido o primeiro envolvimento real das agências
da ONU no debate das drogas. Relatórios da agência de direitos humanos, a
UNAIDS, e do programa de desenvolvimento da ONU, entregaram críticas
devastadoras à guerra às drogas. Todos esses grupos pedem a descriminalização.
Então há uma luta acontecendo dentro da ONU — não é apenas entre os
países-membros que não há consenso.
Foto por Michael Segalov.
Todo mundo concorda que a proibição tem sido um
desastre. Mas qual é o aspecto mais contraprodutivo disso?
Depois de 50 anos e literalmente
trilhões de dólares gastos nisso, mais gente do que nunca usa drogas, e as
drogas estão mais baratas e fáceis de achar — então a guerra falhou em seus
próprios termos. O que ela conseguiu foi abastecer uma grande violência no
comércio ilícito, criando caos e miséria no mundo todo. A resposta policial,
por sua vez, licenciou abusos horríveis, encarceramento em massa e colocou o
fardo da ficha criminal sobre milhões de pessoas. Ela tornou as drogas mais
arriscadas, criou obstáculos para o tratamento e redução de danos, e abasteceu
uma epidemia de HIV e hepatite C entre os usuários de drogas injetáveis. Esse é
um dos maiores desastres de política social do último século. O Alternative World Drug Report que publicamos
conta essa história em todos os seus detalhes sórdidos.
Que alternativas serão defendidas na cúpula?
Há várias agendas reformistas em
jogo. No geral, a ideia é se afastar da abordagem de punição e proibição para
algo baseado nos três pilares da ONU — paz, direitos humanos e desenvolvimento
— com saúde pública obviamente enlaçada a todos eles. Em termos mais
específicos, há muita pressão para acabar com a criminalização de usuários de
drogas — algo que tem um apoio quase universal das ONGs, muitos dos
estados-membros e todas as agências da ONU, assim como do próprio Ban Ki Moon.
Há grandes esperanças de
comprometimento para melhorar a redução de danos, deter o avanço da epidemia de
HIV e abolir a pena de morte para tráfico. Muitos estão pressionando para que o
sistema de controle de drogas global seja reformado, para que os países que
quiserem legalizar a maconha possam fazê-lo, mas essa mudança ainda enfrenta
muita resistência da velha guarda. Só que cada vez mais países estão fazendo a
legalização mesmo assim, então alguém vai ter que ceder. Pode não ser nessa
cúpula, mas será logo, ou o sistema vai implodir sob as próprias contradições.
Você defende essa questão há muito tempo. Como você
viu o movimento antiguerra às drogas evoluir?
A cúpula vem sendo um grande foco
para o movimento global. Redes se expandiram e se consolidaram, novos públicos
e grupos de interesse foram trazidos a bordo. É difícil por causa da variedade
de questões em jogo e da natureza do assunto, mas campanhas como stoptheharm.com,
Support. Don't
Punish, a campanha 10 by 20 e a Anyone's Child
— que está se expandindo para se tornar uma rede global de famílias que foram
impactadas negativamente pela guerra às drogas — fizeram um ótimo trabalho
fornecendo um foco para nossas atividades. O ativismo vai de defesa da
legalização nos altos escalões até trabalho voltado para o público. É a
primeira vez em 20 anos que vejo esse nível de coordenação, união e foco. Mesmo
se o resultado formal da UNGASS não for o que esperamos, o movimento está mais
forte que nunca — e ganhando impulso a cada dia.
A cúpula pode ser o ponto de
guinada que vai levar ao fim da guerra às drogas?
Sim, acho que ela vai sinalizar o
começo do fim. Vai mostrar de uma vez por todas que o consenso sobre a guerra
às drogas está irreparavelmente danificado, que muitos países não vão mais
segui-la cegamente e exigirão reformas no sistema, ou simplesmente se afastarão
dela. Mas temos que ser realistas — a guerra às drogas vem se arrastando há 50 anos
e ela não vai acabar do dia para a noite. A reforma será um processo
geracional, mas está claro que ela já começou e que está ganhando velocidade. A
UNGASS será um ponto sem volta para o debate de alto nível, que vai ajudar a
melhorar o espaço para que muitos países comecem a experimentar alternativas
para os fracassos desastrosos da guerra às drogas.
Obrigado, Steve.
Tradução:
Marina Schnoor
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