Ser mãe
de uma criança com microcefalia
Escrito por João Paulo Guma
8 May 2016 // 04:42 PM CET
Toda semana, a avó Leilane
Serafim, 52, e a mãe de Raquel de Souza, 19, percorrem a distância de 87
quilômetros que separa Limoeiro, no interior de Pernambuco, e Recife, a
capital, para continuar o tratamento da pequena Maria Alice, de apenas 8 meses.
Diagnosticada com microcefalia ao nascer, a garota recebe os tratamentos no
Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira, o Imip, no bairro
dos Coelhos.
A jornada não é fácil. Com o pai
da criança preso por tráfico, a família conta com ajuda de amigos e vizinhos
enquanto aguarda a análise do Benefício de Proteção Continuada (BPC) que lhes
daria um acréscimo na de um salário mínimo por mês, pago pelo governo. “Se não
fosse o transporte oferecido pela prefeitura e as doações que recebemos, não
sei como a gente faria”, conta Dona Leilane. É ela quem tem o único rendimento
fixo, vindo do Bolsa Família, que serve para sustentar a filha, deficiente
auditiva, e a neta. “Demos entrada pra receber o benefício do governo, mas até
agora não recebemos resposta.”
O caso da família da pequena
Maria Alice não é isolado. Em Pernambuco, segundo a Secretaria de Saúde, foram
notificadas 1.912 suspeitas de casos de microcefalia no período entre agosto de
2015 e abril de 2016. Dentre estes, 803 atendem aos parâmetros da OMS para a
malformação. É o estado brasileiro com mais confirmações. No total, são quase
mil mulheres no estado que comemorarão seu primeiro dia das mães com seus bebês
especiais.
A avó Leilane, a mãe Raquel e a pequena Maria Alice
em atendimento no Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira, o
Imip. Crédito: Fernanda Costa
Se a maternidade já é um grande desafio, ser mãe de
uma criança com microcefalia é uma missão bem mais delicada. Além dos cuidados
que qualquer bebê necessita, vive-se uma rotina exaustiva de exames, consultas
e tratamentos médicos — desde fisioterapia até exercícios para desenvolvimento
visual e auditivo. Por definição, a microcefalia não é uma doença, mas sim uma
condição do bebê que apresenta cabeça menor do que o normal de 32 centímetros.
Em um caso de microcefalia comum, a criança apresenta algumas limitações
cognitivas; já nos casos de zika, as sequelas neurológicas são muito mais
graves — que ainda precisam ser estudadas de perto pela medicina. A situação
das mães piora devido ao fator econômico: mais da metade dessas famílias são de
baixa renda e grande parte delas vive no interior do estado, longe de hospitais
capazes de atender as crianças.
Segundo dados da Secretaria de Desenvolvimento
Social, Criança e Juventude do estado, 58% das notificações envolvem mães
inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais e, desse total, 78% são de
famílias com renda per capita de até R$ 47,00, consideradas de extrema pobreza.
"Estamos falando de uma
porcentagem de quase 70% de pais que abandonam crianças com microcefalia e
deixam as mães praticamente sozinhas num momento tão delicado"
Também de Limoeiro, Márcia Luna, de 16 anos, conta
com a ajuda da mãe e apoio financeiro e afetivo do marido para levar a pequena
Sofia, de 5 meses, ao Imip a cada 30 dias. Ela conta que quando descobriu que a
filha era portadora da síndrome ficou incrédula, mas foi se acostumando. Hoje,
exceto pelos cuidados e gastos extras, sente a mesma felicidade caso sua filha
não tivesse o problema. “Gastamos mais ou menos um salário mínimo com Sofia, só
com as despesas de viagem e tratamento”, conta. “É difícil, mas quando a gente
vê esse sorriso dela tudo vale a pena. E meu marido dá todo o apoio e carinho
para ela. Carinho até demais, chega fico com ciúmes.”
Marcia Luna com Sofia no colo. Crédito: Fernanda
Costa
Em Pernambuco, porém, há várias
mulheres que têm sido abandonadas pelos companheiros após a descoberta que o(a)
filho(a) do casal é portador do problema. Ao conversar com profissionais do
Imip, constata-se a dificuldade dos homens em aceitar a deficiência do(a)
filho(a). "Pais que abandonam os filhos nos primeiros 6, 12 meses são
comuns, mas nesse caso estamos falando de uma porcentagem de quase 70% de pais
que abandonam crianças com microcefalia e deixam as mães praticamente sozinhas
num momento tão delicado", conta um pediatra que não quis se identificar.
O médico também revela que há casos em que mães, rejeitadas e sofrendo de
depressão pós-parto, acabam elas próprias rejeitando a criança ou simplesmente não
a amamentando.
Outro fator que dificulta a vida
das mães de crianças com microcefalia é o preconceito das pessoas, dentro e
fora da própria família. Uma mãe que não quis se identificar relata que por
várias vezes chorou após sair com seu filho e ouvir comentários
preconceituosos. “O pior momento foi quando um grupo de evangélicos veio em
minha direção eu começou a orar pelo meu filho pedindo para que tirassem o
diabo da cabeça dele. Não tem diabo nenhum dentro do meu filho. Ele só nasceu
diferente”, desabafa a mãe.
Para tentar amenizar essa dor,
existem vários grupos de apoio às mães, dentre eles, o AMAR — Aliança de Mães e
Famílias Raras. A presidente da ONG, Pollyana Dias, conta que o principal
objetivo é dar acolhimento e encaminhamento, mostrar que aquele momento não é o
fim, e sim o início de uma nova etapa, uma nova identidade. “Um dos principais
focos da AMAR é cuidar da mãe. Cuidar de quem cuida. Muitas vezes essa mulher
está despedaçada, sozinha, sem autoestima, com doenças secundárias como síndrome
do pânico e depressão, desenvolvidas devido à rotina estressante de cuidadora”,
explica.
Sofia no Imip. Crédito: Fernanda Costa
Direcionado às mães de crianças
com problemas raros, a AMAR dá suporte jurídico para que elas busquem os
benefícios do governo, além de tratamento e medicação para os filhos por meio
de parcerias. “A principal carência dessas mulheres é quase sempre de afeto,
elas se sentem sozinhas. Também tenho um filho com problema raro — Pedro
Henrique, hoje com 18 anos, portador da Síndrome Cri-Du-Chat — e quando ele era
criança nunca me chamavam para as festas. Essas mães são quase sempre mães
solitárias”, conta Pollyana.
Embora haja diferenças entre cada
caso e cada família, a preocupação quanto ao futuro é o ponto em comum dessas
mães. Mesmo com que expectativa de vida das pessoas com microcefalia seja
semelhante à das outras, a falta de acompanhamento pode torná-las incapazes ou
mesmo abreviar suas vidas. E o medo de que seus bebês não sobrevivam ou que
sejam eternos dependentes é a dura realidade dessas mulheres que, talvez mais
do que qualquer outra, valorizam cada dia de vida de suas crianças.
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