Briar
quer ser o chat à prova de balas no Brasil
Fev 28
2018, 12:29pm
Idealizado para cenários de crise, app usa conexões
alternativas contra interceptação de dados e funciona até sem internet.
O desenvolvedor Michael Rogers
trabalhava no LimeWire em 2009 quando um ativista iraniano o surpreendeu. Em
busca de chat livre de censura, o homem perguntou se seria possível usar a
conexão P2P do software para se comunicar com seu grupo. “Eu trabalhava em
questões como essa em meu doutorado, mas na época disse que não seria seguro.
Só seria viável se construíssemos algo mais adequado”, conta Rogers. “Com o fim
do LimeWire, peguei as ideias e comecei a trabalhar nisso.”
O tempo passou e muita coisa
mudou. Aquele ativista, membro do Movimento Verde Iraniano, conseguiu brechas para
organizar protestos que contestavam o resultado da eleição presidencial do
país. Rogers, por sua vez, de olho nas ferramentas usadas ali e em outras
manifestações pelo mundo, se empenhou em criar o app de conversação mais casca
grossa contra a vigilância: o Briar.
Longe de ser rival do WhatsApp, o
projeto, em fase de beta público, quer ser ponto de apoio para quem mais
demanda por privacidade e segurança: ativistas e jornalistas.
Ao contrário dos apps de chat
tradicionais, o Briar não depende de servidor central e as mensagens são
sincronizadas diretamente entre os aparelhos. É aí que fica interessante: caso
a rede de internet esteja com baixa qualidade, o Briar pode sincronizar as
mensagens via Bluetooth ou Wi-Fi — em caso de proximidade entre os
participantes da conversa — mantendo a informação fluindo em situação de crise,
isto é, offline. Se a conexão estiver boa, pode sincronizar por meio da rede
Tor — que proporciona o anonimato ao navegar — e protege usuários, seus
contatos e as conversas de vigilância.
Para efeito de comparação, o
WhatsApp, embora ofereça encriptação de ponta-a-ponta, depende de servidores
centrais e fica a mercê de um takedown — quando a Justiça determina que
suspendam o acesso à rede do aplicativo (como ocorre no Brasil) ou corta por
completo as conexões na região (como acontece no Irã e outros países). Em suma,
pode falhar.
Assim, a principal vantagem do
Briar é permitir alternativas seguras como a rede Tor ou peer-to-peer (P2P),
tornando-o praticamente impossível de ser bloqueado por entidades ou governos.
Além disso, essas mensagens são encriptadas e não levam nenhum metadado, assim
como ocorre com outros apps tipo Signal e Tor Messenger.
“O que estamos tentando fazer com
o Briar, porém, é ser tão útil e seguro quanto o Signal, enquanto também
protegemos os metadados e podemos operar sem acesso à internet”, pontua Rogers.
“O que estamos tentando fazer com o Briar é
ser tão útil e seguro quanto o Signal enquanto protegemos os metadados e
podemos operar sem acesso à internet”
Foco em problemas partilhados no Brasil
Para o app funcionar, sete
pessoas espalhadas pelo mundo se envolveram no projeto, apoiado por ONGs e
instituições como Small Media, Open Internet Protocols, ACCESS e Open
Technology Fund.
Como em muitos programas de
código aberto, a maioria do grupo nunca se reuniu e alguns não tem endereço
fixo. A turma colabora remotamente de diferentes países. Um deles responde do
Brasil: Torsten Grote.
“Usamos ferramentas de
colaboração modernas, como o GitLab, que nos permitem coordenar o nosso
trabalho em diferentes fusos horários sem nos reunir pessoalmente”, conta ao
Motherboard o alemão que mora há dois anos em Florianópolis e prefere o clima
brasileiro.
Torsten
Grote, desenvolvedor alemão no Brasil. Crédito: Divulgação/ Briar Project
Ciente das últimas investidas
locais em derrubar o WhatsApp em função de processos judiciais, ele explica
que, com o lançamento do Briar, surge uma boa solução.
“O Brasil precisaria bloquear
toda a rede Tor (que é usada para muitas outras coisas) para conseguir bloquear
o Briar. Para combater esses tipos de ataques, planejamos introduzir pontes
(bridge relays) que permitiriam se conectar à rede Tor, mesmo que seja
bloqueada”, conta. “A última medida que o Brasil poderia tomar é bloquear a
internet inteira. Se isso acontecer, as pessoas ainda podem se comunicar por
redes WiFi e Bluetooth”, completa. “Em muitos países ao redor do mundo,
desligar a internet tornou-se um instrumento para reprimir os protestos. Se o
Brasil decidisse fazer o mesmo, o Briar pode funcionar como meio seguro.”
Além da troca de mensagens, o
Briar pode permitir que as pessoas criem espaços virtuais seguros via fóruns e
blogs. Lá podem debater qualquer tópico, planejar eventos e organizar
movimento.
Telas do
app. Crédito: Briar Project
De acordo com Rogers, cerca de 70
mil pessoas baixaram a versão beta do aplicativo, metade pelo Google Play e a
outra metade por meio da loja de aplicativos F-Droid. Atualmente, na versão de
testes, o app permite que seja usado por apenas 100 dias, o que implica criar
uma nova conta quando a versão do Briar 1.0 for lançada, até o final de abril.
O mensageiro tem alguns
pormenores como só adicionar pessoas via QR Code. Em tese, o sistema deixa
incluir nos contatos apenas quem o usuário encontrar pessoalmente “trocando os
código de barras” para que ninguém se passe por você. Compartilhá-lo de outras
formas é complexo, já que o app impede screenshots. Você pode também “apresentar
contatos entre eles” e ampliar a rede. O aplicativo, vale dizer, não tem
suporte a mídias.
“Estamos planejando adicionar
suporte para fotos nos próximos meses. Vídeo é mais difícil, pois há brechas de
segurança na biblioteca de mídia do Android”, diz Rogers. Quem dá outra dica do
que ainda está faltando é Grote. “Planejamos ainda suporte para WiFi-Direct.”
Grosso modo, Wi-Fi Direct é o
Wi-Fi que conhecemos, sem a parte da internet. Ou seja, para tarefas simples
usam-se conexões simples, que não passam pela grande rede como já se usa entre
smartphones e notebooks com impressoras sem fio e outros aparelhos de IoT.
Sobre monetização, a equipe entende que ainda não
há caminho definido para o app continuar gratuito e melhorando. Hoje são apenas
doações. “O que pode vir a gerar algum rendimento são as modificações
personalizadas para pessoas querendo fazer versões em modo white label do Briar
ou trabalhos de consultoria relacionados”, diz Grote.
Para um futuro mais diatante, o equipe do Briar
pretende recursos como a sincronização de dados para fazer mapeamento de crises
e também a edição colaborativa dos documentos.
Testando o app
Em um mês de uso, com poucos
contatos adicionados, foi possível ter uma prévia do quão útil os adicionais de
fábrica do Briar podem ser. O blog publicável dentro do mensageiro funcionou
como um diário de bordo, com detalhes de uma rápida viagem pessoal para um
grupo de amigos que se interessou em acompanhar. O fórum resolveu questões
comuns a pessoas de diferentes grupos que não se conheciam, como uma central de
de sugestão de filmes para um feriado prolongado — ainda que o ambiente não
permita colar fotos ou links.
A troca de mensagens fluiu
naturalmente como deve ser: rápida e com confirmação de leitura — incluindo
emojis, para quem não vivem sem eles — e em todas as conexões: 4G, Wi-Fi e
Bluetooth (online e offline). O app fica devendo, no entanto, o suporte a
mídias. A insistência em validar a senha toda vez que for usado (por segurança)
pode incomodar.
É claro que o Briar está longe de
ser uma solução comparável aos divertidos aplicativos de mensagens disponíveis
no momento, com chamadas de áudio e vídeo, cheios de GIFs, emoticons e jogos
como o Facebook Messenger ou mesmo com inteligência artificial como o Google
Allo. Ainda assim, é o mais seguro. E essa sensação, como sabemos, é cada vez
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