Rompimentos de barragens de mineradoras têm se
tornado mais graves nas últimas décadas, dizem especialistas
Rachel
Costa | Londres - 18/11/2015 - 06h00
Avanço tecnológico da mineração não
tem conseguido reduzir intensidade de eventos como o ocorrido em Mariana (MG);
evitar próximo desastre só será possível com melhor regulamentação ambiental da
atividade
Itália, 1985, África do Sul, 1994, e
Hungria, 2010. Estas foram as rupturas de barragem de mineradoras mais
mortíferas nos últimos 30 anos em países ocidentais. A primeira deixou 268
mortos, a segunda, 17, e a última, 10 vítimas fatais. Em Minas Gerais, o
rompimento da barragem de Fundão no último dia 5 em Mariana já fez 11 mortos
(quatro deles ainda sem identificação) e outras 12 pessoas seguem
desaparecidas. Calcula-se em 62 milhões de metros cúbicos o volume de rejeitos
lançados no meio ambiente. Grande parte dele atingindo o Rio Doce, um dos
maiores do estado. A chegada ao rio tem causado uma segunda tragédia, com
cidades sem água e moradores sem saber o que lhes espera. Governador Valadares,
um dos principais municípios abastecido pelo rio, com 278 mil habitantes,
decretou estado de calamidade pública desde a última terça-feira (10/11).
Falta água e faltam informações, o
que torna difícil calcular a dimensão exata do desastre. A Vale e a BHP, as
duas empresas multinacionais por trás da Samarco, companhia responsável pelos
reservatórios, terão de desembolsar pelo menos 1 bilhão de reais neste que
é um dos maiores desastres ambientais no Brasil e um dos maiores episódios de
rompimento de barragem de rejeitos nos últimos 30 anos.
Antonio Cruz / Agência Brasil
Cenário da desolação em Bento Rodrigues, distrito de Mariana (MG), após
rompimento da barragem e passagem da lama
E
o grande problema é que o avanço tecnológico da mineração não tem conseguido
reduzir a intensidade de eventos desse tipo. Muito pelo contrário, afirma o
geofísico David Chambers, doCenter For Science In Public Participation (CSP2)
[Centro para a Ciência em Participação Popular, em tradução livre], nos Estados
Unidos. Chambers mantém desde 2009 uma base de dados com
o registro de problemas em barragens de rejeitos em todo o mundo, cobrindo todo
o último século. O que se pode aferir pelos números é que, se a quantidade de
eventos diminuiu com o avançar da tecnologia, em contrapartida eles se tornaram
muito mais graves e a previsão do cientista é que eles sigam ocorrendo em uma
média de um grande desastre a cada ano.
Problema
internacional
Na
lista mantida por Chambers, o último evento classificado como grave também
aconteceu no Brasil: foi a ruptura na barragem de uma mina em Itabirito, em
setembro de 2014, deixando três mortos. Entretanto, o pesquisador faz questão
de enfatizar que tragédias envolvendo reservatórios não estão limitadas ao
país. “Quando divulguei os dados da minha pesquisa, a resposta que recebi da
indústria foi de que na América do Norte isso nunca aconteceria. Seis meses
depois, houve o rompimento da barragem em Mount Polley, no Canadá”, diz
Chambers.
Na
tragédia canadense, a maior da história desse tipo no país, não houve mortos,
mas 23 milhões de metros cúbicos de rejeitos foram lançados no ambiente,
atingindo reservatórios de água da região. Em agosto de 2015, um ano depois do
desastre, uma equipe da Anistia Internacionalvoltou
à área e encontrou moradores ainda inseguros em relação à qualidade da água,
aumento nos níveis dos lagos e muitas dúvidas em relação à possível
contaminação dos peixes, uma vez que havia criadores de salmão na área.
Jeremy Board / Flickr CC
Ativistas protestam contra a empresa Imperial Metals em abril deste ano no
Canadá
“No caso da Imperial Metals, que
operava a mina de Mount Polley, eles são uma companhia muito menor, não são um
conglomerado internacional”, avalia Chambers. No Canadá, a mina onde ocorreu o
desastre voltou a operar neste ano, alegadamente para a companhia ajudar a
cobrir os custos ambientais do acidente causado por ela própria. “É diferente
do caso brasileiro. Espero que BHP e Vale cubram os custos operacionais
envolvidos. Elas são as donas da Samarco”, fala o cientista, enfatizando que
usar companhias locais para fazer a exploração é um procedimento comum entre
multinacionais e, portanto, não pode ser usado como pretexto para isentá-las de
culpa.
Falta de dados
Durante a apuração dessa
reportagem, Opera Mundi consultou três cientistas que acompanham
desastres provocados por empresas mineradoras. Para todos eles, a falta de
dados oficiais é um problema para definir a dimensão exata da tragédia ocorrida
em Minas. Até agora, dados sobre a contaminação da água foram divulgados por
Governador Valadares e Baixo Guaiú, no Espírito Santo, mostrando altos índices
de alumínio, magnésio e arsênio (este último apareceu nas provas capixabas).
Fred Loureiro / Secom ES
Lama da barragem do Fundão, rompida no dia 5 de novembro, atinge o rio Doce na
cidade de Resplendor (MG)
Apesar de alarmados com os índices obtidos
pelas provas, os cientistas acreditam que o método usado para a coleta não foi
o mais adequado. “Neste momento, o que mais importa é testar a contaminação da
água”, diz Chambers. “Pelos resultados dos testes já feitos, parece que eles
foram realizados sem filtrar os sedimentos”, completa o geofísico, esclarecendo
que o risco maior ocorre quando os metais estão dissolvidos na água.
Sem informações exatas, fica ainda
mais complicado montar o intrincado quebra-cabeças do impacto ambiental
provocado pelo vazamento. Magnésio em excesso na água, por exemplo, pode afetar
o desenvolvimento mental das crianças, lembra a geoquímica Kendra Zamzow,
também da CSP2. Zamzow acredita que o mais provável no caso brasileiro é que os
metais estejam “presos” aos sedimentos, reduzindo o risco de contaminação.
Entretanto, outro problema pode ocorrer, este relacionado ao depósito dos
rejeitos: a formação de uma espécie de “cimento” no leito do rio, o que pode
afetar a vida dos seres vivos presentes nas águas.
“Este caso da Samarco é muito maior
que o de Mount Polley. No rompimento da barragem canadense, os rejeitos se
espalharam por apenas oito quilômetros. Eles poderiam ter ido mais longe, mas
foram parados pelo lago de criação de salmão”, diz a geoquímica Kendra Zamzow,
também da CSP2.
A barragem rompida em Mariana. Foto: Corpo de Bombeiros MG
Danúbio vermelho
O
caso brasileiro também é maior que o ocorrido na Hungria em 2010. “A dimensão é
claramente maior que a do acidente húngaro, mas a atenção da mídia
internacional é muito menor”, considera William Mayes, da Universidade de Hull,
no Reino Unido. Mayes participou de um estudo para avaliar a recuperação do entorno após
o desastre húngaro, no qual um milhão de metros quadrados de resíduos tóxicos
de uma mina de bauxita vazaram, chegando a atingir o rio Danúbio, um dos
principais da Europa.
A
cor vermelha dos detritos húngaros pode fazer lembrar a que invadiu o rio Doce.
A sua origem, porém, é bem diferente. Mayes explica que os rejeitos da mina
europeia eram altamente alcalinos, salgados e continham metais como cromo e
vanádio. Em Minas, Mayes acredita que o maior problema poderá estar nas altas
concentrações de arsênio.
A
análise liderada pelo cientista na Hungria mostrou uma boa recuperação do meio
ambiente quatro anos após o vazamento. Estima-se que US$ 136 milhões foram
gastos para a recuperação da área. “Mas é muito difícil comparar os dois
casos”, fala Mayes, citando a diferença de volume e da composição dos rejeitos.
Evitar
o próximo desastre, acredita Chambers, só será possível com uma melhor
regulamentação ambiental da atividade mineradora. As esperanças do cientista
são de que países recentemente afetados e onde a mineração é uma atividade
econômica importante, como é o caso do Canadá ou do próprio Brasil, tomem a
dianteira nesse processo. “Se um desses países cria esses parâmetros, os outros
se verão obrigados a fazer o mesmo”, acredita o cientista.
As
vidas perdidas não podem ser recuperadas, é certo. O estrago feito, porém, pode
em muito ser contido e revertido, desde que bem calculado, e servir de exemplo
para a criação de normas que evitem a repetição de tragédias como essa.
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