O Uber iniciou a reta final de seu plano: substituir
os humanos
Escrito por Jason Koebler
8 September 2016 // 11:22 AM CET
Motoristas de táxi passaram os
últimos anos implorando para que autoridades locais do mundo
todo acabassem com a ameaça do transporte de passageiros sem regulação. Essas
brigas foram apenas um aperitivo de um futuro em que a indústria de transporte
de passageiros busca se livrar daquelas coisinhas irritantes e ineficientes que
ficam sentadas ao volante de nossos Ubers.
Todos nós sabíamos que mais cedo
ou mais tarde os empregos para humanos como motoristas profissionais chegariam
ao fim; com tantas empresas em tantos países avançando tanto no desenvolvimento
de tecnologia para carros autônomos, era questão de tempo até que humanos
perigosos, caros e reclamões continuassem a sentar ao volante.
Os táxis robóticos estão chegando
mais cedo do que imaginávamos, porém: o Uber anunciou no dia 18 de agosto que seus carros
automatizados começariam a transportar passageiros em Pittsburgh, nos EUA, no
mês seguinte – o atual, setembro. Pare e pense nisso por um segundo: eles
afirmaram que a era dos táxis-robôs disponíveis em massa começaria em poucas
semanas.
É claro que os carros sem
motorista do Google já dirigiram por milhões de quilômetros, assim como os Teslas com piloto automático (a opção começou a
funcionar do dia para a noite como um upgrade de software, como se fosse outra
função qualquer).
Mas o plano do Uber é
estrategicamente diferente. O Google não tem razões óbvias ou uma estratégia de
negócios iminente para seus carros. A Tesla no momento não tem a intenção de
usar robôs para tornar os humanos obsoletos em seu negócio (no longo prazo,
Elon Musk já sugeriu que sua empresa poderia se tornar uma concorrente do Uber). Os
carros do Uber, por sua vez, vão competir ativamente com as mães, estudantes,
desempregados e trabalhadores de meio período que trabalham para a empresa,
tornando irrelevante o capital humano que por tanto tempo fez essa plataforma
de transporte ser tão interessante.
IMAGEM1: Alguns dos motoristas
que o Uber usou para anunciar o sua plataforma em Austin, Texas. Crédito:
RideShare Works for Austin
Ao mesmo tempo, o fato de o Uber
ter comprado a Otto, uma empresa de caminhões sem motorista,
é um sinal de que a empresa inevitavelmente vai entrar no negócio de fretes por
caminhão, uma tarefa que é nmais fácil de automatizar do que o trabalho de um
taxista, já que este precisa navegar pelo complexo tráfego urbano. A conclusão de
tudo isso é que o Uber quer atrair todos os empregos de motoristas humanos para
sua plataforma e, em seguida, eliminá-los sumariamente.
No longo prazo, isso é uma coisa
boa. Afinal, carros sem motorista serão muito mais seguros e eficientes que os
carros dirigidos por humanos. Andar num automóvel sem motorista vai ser mais
conveniente que ser dono de um carro, e veículos autônomos permitirão que
repensemos a maneira como planejamos cidades e estacionamentos. Há muitos e
muitos motivos fortes para dar esse passo adiante rumo a um futuro em que os
carros se movam sozinhos.
Mas o projeto atual do Uber, que
por enquanto funcionará apenas como um teste, só parece excitante se você
pensar nele com essa atitude de gente, o futuro é muito louco. Embora talvez
algum dia olhemos para trás e vejamos esse como um marco na história da
tecnologia, o futuro próximo soa bastante meia-boca. Em troca de uma corrida
grátis, você vive esta maravilhosa experiência (narrada no artigo da Businessweek que anunciou a mudança):
“Por enquanto, os carros usados
no teste do Uber viajam com um motorista de segurança, como determina a lei e o
bom senso. Esses engenheiros profissionais sentam com as mãos junto ao volante,
prontos para assumir o controle do carro caso surja um obstáculo inesperado. Um
copiloto, no assento do passageiro, faz anotações num laptop, e tudo o que
acontece é gravado por câmeras dentro e fora do carro para que qualquer
problema possa ser analisado e solucionado. Cada carro também é equipado com um
tablet no banco de trás, desenhado para mostrar aos passageiros que eles estão
num carro autônomo e explicando o que está acontecendo. ‘Nossa meta é acabar
com o hábito de ter motoristas no carro, por isso não queremos que os
passageiros conversem com nossos motoristas de segurança’, diz Raffi Krikorian,
diretor de engenharia do Uber.”
Esses engenheiros profissionais,
portanto, não são motoristas de Uber comuns. Não há emprego temporário num
carro automático para o cara recém-demitido que dirige um Uber para pagar as
contas.
Quando li esse trecho da
reportagem da Businessweek, minha mente se concentrou numa cena
imaginária em que uns estudantes universitários bêbados chamam aleatoriamente
um Uber sem motorista e são repreendidos por um “motorista de segurança” que
pede silêncio enquanto mantém seus dedos a alguns milímetros do volante,
conforme determinado pelo Uber. Ao lado dele, um copiloto silencioso digita
furiosamente num laptop – Notas: passageiros beligerantes e não-cooperativos
pediram a música “Panda” de Desiigner. O pedido foi negado. Enquanto isso,
uma lágrima escorre pelo rosto de uma mãe solteira que está ao lado numa van
parada, sem nenhuma solicitação de corridas em seu Uber. Em algum lugar, o CEO
do Uber, Travis Kalanick, sorri enquanto ela desativa o app e vai para casa
jantar em frente à TV.
Talvez eu tenha uma imaginação
hiperativa, mas, tirando o fato de que é uma novidade, por que você iria querer
andar nesse carro? É só um período de testes, claro, mas o Uber não explicou
por que quer passageiros nesses carros no momento. É para mudar a maneira como
o público vê os carros sem motorista? É puramente pelo marketing, ou pela
excitação de participar da loteria do carro sem motorista (outra vez, o Uber
selecionará os passageiros aleatoriamente; não se sabe se eles poderão ou não
escolher se farão parte do teste)? Duas pessoas da equipe de relações-públicas
do Uber mandaram meu pedido de resposta a outras pessoas da equipe, mas ninguém
me respondeu.
É difícil entender como o sistema
atual vai inspirar muita confiança na versão inicial da tecnologia. O artigo da
Businessweek afirma que o motorista-robô do Uber não sabe circular bem
pelas pontes de Pittsburgh e que o carro sai do modo automático regularmente
porque não sabe lidar bem com o tráfego.
Esses são pequenos problemas que
estão longe de ser falhas incontornáveis e não dizem nada a respeito do futuro
definitivo da tecnologia de carros sem motorista. Mas a insistência do Uber em
levar essa tecnologia ao público agora, em seu estado atual, só mostra o quanto
Kalanick está impacientemente irritado com a ideia de que ele tem que pagar
algo aos motoristas.
“Quando não há nenhum outro cara
no carro além do passageiro, o custo de tomar um Uber se torna mais barato que
o custo de ter um carro. Aí está a mágica: se você baixar esse preço a ponto de
que seja mais baixo para todos do que o custo de ter um carro, o hábito de ter
um carro desaparece”, disse Kalanick em 2014.
Não fica nem um pouco
subentendido que, para Kalanick, o fato de a empresa depender de um batalhão de
“caras” humanos é uma fraqueza comercial, um custo desnecessário. A batalha
contra o Uber nunca foi contra os taxistas – torná-los irrelevantes foi apenas
um subproduto da meta final do Uber. A verdadeira ineficiência de mercado que Kalanick
sempre quis explorar é o mercado de humanos que trabalham como motoristas.
Tradução:
Danilo Venticinque
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