Cientificamente,
é possível acabar com a corrupção?
Feb 17
2017, 2:14pm
Será que existe algum ato, medida, lei ou punição capaz
de exterminar esse mal de uma vez por todas?
A Lava Jato revelou um dos
maiores esquemas de corrupção já vistos no Brasil. Mas não foi o primeiro caso
do gênero e não será o último. Há pelo menos dois mil anos já se sabe que os
"favores" são práticas humanas comuns. Tanto que mereceram destaque no Inferno, de Dante
Alighieri, e em Arthashastra, tratado de ciência política escrito pelo
primeiro-ministro indiano Cautília (371 - 283 a.c). Apenas nos anos
é que a transparência se tornou uma qualidade desejada nos negócios públicos e
o assunto veio à tona com força. Parece que todo dia são descobertas novas
falcatruas, em todos os níveis e esferas de governo e da política. Aqui no
Brasil, como sabemos, o combate à corrupção virou mote de protesto de rua e
movimentos políticos. Bom, pelo menos até o impeachment de Dilma Rousseff.
Tentando surfar essa onda, o Ministério Público Federal propôs "10 medidas
contra a corrupção", dentre as quais estavam até "pegadinhas"
para testar a idoneidade de servidores públicos. O projeto causou polêmica:
houve quem dissesse que estar contra ele seria um ato antipatriótico, e outros
consideram as tais medidas insuficientes e populistas. Agora, cá entre nós:
será que existe algum ato, medida, lei, punição, capaz de exterminar esse mal
de uma vez por todas? É possível acabar com a corrupção?
Dando nomes aos bois
Fala-se muito sobre a tal da
corrupção, mas o que ela é? Como se define um ato de corrupção. O Banco Mundial
usa a seguinte definição: o abuso do poder público para o benefício privado.
Repare que não necessariamente estamos falando de maços de dólares em cuecas.
Aqui cabem casos diversos, como, por exemplo, fazer vista grossa para
irregularidades cometidas por aliados políticos. Ou um funcionário público que
tira licença médica e, na verdade, viaja para passear. Mas a noção de corrupção
também pode ser aplicada ao setor privado. Quando, por exemplo, uma pessoa quer
uma vaga cobiçada numa multinacional e paga "por fora" para ser
contratado.
Não cabe na régua
Um dos primeiros problemas que
essa questão traz é que simplesmente não é possível medir o tamanho do prejuízo
que a desonestidade pública causa. Quem diz isso não sou, mas o famigerado
Fundo Monetário Internacional, o FMI. Em um estudo publicado em 1998, o órgão
afirma que esse cálculo é impossível de se fazer em qualquer escala. O que
fazer, então? Deixar rolar? Uma alternativa possível é medir a percepção de
corrupção. Embora ele não reflita o problema em valores absolutos, esse dado
ajuda a entender o quanto a corrupção está espalhada na sociedade. E pode
orientar leis e medidas para combatê-la.
Endurecer as leis
É clichê, mas os desvios ocorrem
porque as leis são permissivas. As penas são leves e a possibilidade de entrar com recursos
faz com que processos se arrastem por anos até que algo aconteça. A
solução seria, claro, punir com severidade quem frauda licitações, devia ou
participa do desvio de dinheiro público.
Cargos de confiança
A cada novo governo, troca-se uma
grande quantidade de funcionários que são indicados pela gestão que toma o
poder. São os chamados cargos comissionados. Para conseguir o emprego, a pessoa
é indicada. Só no governo federal, são mais de 20 mil. Geralmente, estão na
fila pessoas do partido vencedor ou aliados políticos. Isso facilita a
corrupção, já que coloca dentro das estruturas públicas pessoas que podem não
ter compromisso com a "coisa pública" a longo prazo. Diminuir o
número desses cargos trocando-os por concursados pode ajudar a diminuir os
desvios nas repartições e governos.
Teto de vidro
ONGs como a Transparência
Internacional defendem a abertura de dados dos governos para aumentar o
controle sobre o que eles fazem. Dessa maneira, os gastos, orçamentos e
qualquer fluxo de dinheiro feito pelos órgãos públicos devem estar ao alcance
dos cidadãos. O governo federal tem o Portal da Transparência, que divulga esses dados
e foi implementado durante a gestão Lula. A Lei de Acesso à Informação,
criada em 2012, obriga a todos os entes públicos a tornar os dados públicos. A Controladoria-Geral da União (CGU) é
quem fiscaliza o cumprimento da lei e emite um ranking anual dando notas a
estados e cidades que se conformam à legislação.
Diploma
Transparência, leis e outras
medidas podem ser eficientes, mas não têm o poder de diminuir a corrupção se
não forem combinadas com a educação da população. Segundo especialistas, este
é um dos únicos fatores que foi capaz de diminuir os níveis de corrupção. Ela
funciona porque cria valores comuns à toda sociedade, que superam a
identificação com grupos menores e facções. Com um povo mais educado, o país
passa a ter também uma população com níveis de renda e igualdade maiores.
Acaba ou não acaba?
Chega de blá-blá-blá: existe
alguma coisa que vai acabar de vez com isso? A resposta é dura: não. Por mais
criativos que sejam nossos legisladores, por mais potente que a tecnologia se
torne, os seres humanos sempre vão encontrar uma maneira de pular as barreiras.
Sabemos que as pessoas são imprevisíveis, por isso é impossível garantir que as
leis não serão burladas nunca. Quando discutimos essa questão, parece haver um
consenso universal de que é necessário extirpar tal "câncer" da
sociedade. Mas cada pessoa pode ter uma visão específica do que é certo ou
errado. E não é possível prever como iremos nos comportar com tanto poder (e
dinheiro) nas mãos. O único jeito de minimizar a corrupção é mantendo a transparência a
vigilância.
Diogo
Antonio Rodriguez é jornalista e editor do meexplica.com. Na
coluna Motherboard Destrincha, ele resume os assuntos
mais intrincados da ciência e da tecnologia. Siga-o no Twitter.
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