Os
YouTubers cirurgiões são a parte mais sangrenta e educativa da internet
Feb 22
2017, 11:19am
A pedido de seus pacientes, médicos têm publicado
milhares de vídeos de procedimentos cirúrgicos extremamente invasivos.
Existe um mercado obscuro de
vídeos de cirurgias na internet. A maioria das mídias enojaria até os mais
corajosos e morbidamente curiosos: são corações arrancados de caixas torácicas,
extrações de dentes de siso ou artroplastias totais do joelho. Muitas vezes, as
cirurgias são transmitidas em tempo real nas redes sociais. São quase como
vlogs sangrentos.
Uma rápida busca pelos termos
"cirurgia educacional" ou "cirurgia real" no YouTube rendem
milhões de resultados. Pessoas têm dado à luz e feito lifting faciais ao vivo. No
embalo a, alguns cirurgiões plásticos estão usando o Snapchat para atrair novos
pacientes, como o Dr. Matthew Schulman, que transmite cenas de seus procedimentos cirúrgicos para
milhões de seguidores.
A cirurgia bariátrica, que tem
seu próprio séquito de fãs curiosos, também vem fazendo sucesso na internet.
Dr. Thomas Brown, cuja clínica no estado de Colorado, nos EUA, publica vídeos
desses procedimentos feitos com auxílio de robôs, disse ao Motherboard que os
vídeos são publicados a pedido dos pacientes.
Já na década de 90, quando Dr.
Brown começou a se especializar em laparoscopias, seus pacientes exigiam que o
procedimento fosse filmado e entregue a eles em fitas VHS. Hoje, durante o processo de consentimento informado,
os pacientes concordam em ter suas entranhas filmadas para fins educacionais.
"Em média, cada pessoa passa
um ano cogitando passar por uma cirurgia, e, desse ano, seis meses são gastos
pesquisando relatórios, estudos e vídeos", diz Brown.
Entrevistar possíveis cirurgiões
é uma parte importante do processo de opção pela cirurgia bariátrica. Entre
muitas outras questões, pacientes já perguntaram a Brown qual tipo de grampo
ele utiliza e quem os fabrica. "Os pacientes são muito inquisitivos",
acrescenta o médico.
Postar vídeos sanguinolentos é
também uma forma de atrair novos pacientes. Não costumamos fazer um dossiê
sobre o médico que irá tirar nosso apêndice, mas quando se trata de cirurgias
eletivas, muitos pacientes escolhem seus cirurgiões com base em pesquisas na
internet.
Os vídeos são também uma
ferramenta de troca de conhecimento. A empresa que fabrica os robôs cirúrgicos
de Brown, a Intuitive Surgical, solicitou alguns de seus vídeos para ensinar
outros cirurgiões a manejarem as ferramentas. Brown teve que passar por seis
meses de treinamento antes de operar o robô de forma adequada.
Embora o YouTube não tenha uma
política específica em relação a vídeos cirúrgicos, ele possui uma série de regras quanto à divulgação de mídias com
violência explícita: segundo o regimento do site, cenas explícitas
para fins educativos — cuja intenção não é chocar ou ofender — são permitidas.
Entretanto, os usuários devem utilizar títulos descritivos, de forma que os
espectadores saibam onde estão se metendo.
Para o Dr. Steven Safran, um
oftalmologista especialista em córneas de Nova Jersey, ensinar e aprender com
outros médicos é um dos principais benefícios dessa prática (sem contar a
oportunidade de incomodar o resto de nós, mortais, com vídeos horríveis de
olhos sendo cortados).
"Aprendo tanto com meus
sucessos quanto com meus resultados menos prósperos", disse Safran em um
email. "O processo de edição nos força a ver as coisas mais de perto, o
que me ajuda a entender como agir melhor ou de forma diferente no futuro. Isso
faz parte de um processo de aprendizado do qual ainda faço parte".
Já Brown compara assistir às suas
cirurgias com um treinador de futebol analisando cenas de jogos passados.
"Você assiste esses vídeos e diz, nossa, será que eu poderia ter costurado
esse ponto de forma diferente, ou será que seria melhor colocar o ponto nesse e
não naquele lado?".
Chegará o dia em que vídeos de
cirurgias se tornarão tão comuns quanto tutorias ou streams de jogos? É difícil
dizer. Como o Facebook é um domínio público, Brown não acredita que esse tipo
de atividade educacional seja adequada ao site. Na rede social, esse tipo de
vídeo tende mais ao filme de terror do que à aula de ciências.
Por outro lado, encontros
nacionais de profissionais da área médica muitas vezes oferecem sessões com
três ou quatro cirurgias transmitidas ao vivo, seguidas por uma sessão de
perguntas respondidas por cada cirurgião. A Intuitive Surgical organiza versões
online desses eventos, no qual médicos acompanham cirurgias ao vivo e fazem
perguntas durante os procedimentos. A empresa, que fabrica robôs cirúrgicos
controlados remotamente, já está na vanguarda da medicina. Talvez algum dia nós
gravaremos cirurgias em 360 graus, transmitindo-as em óculos de realidade
virtual e dando a todos uma chance de dar uma espiadinha nas entranhas de um
total desconhecido.
No final do ano passado, Schulman
disse ao Motherboard que, embora o Snapchat seja sua atual plataforma de
escolha, ele e outros cirurgiões tentam estar sempre um passo à frente de seus
pacientes.
"O que eu ofereço é,
essencialmente, um espetáculo", diz ele. "Um espetáculo educativo, é
claro, mas ainda sim um espetáculo".
Tradução: Ananda Pieratti - Motherboard
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