quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Como o Brasil tenta escancara seu racismo

O Movimento Baiano
Reaja ou Será Morto
Está na Linha de Frente
na Luta Contra o Racismo





Tremi o coração, chorei ao rever e lembrar tantos que já se foram destruídos pelo preconceito e intolerância... Estou escrevendo SOB MONTANHAS, 20 relatos de negros mortos por forças policiais, pelo alcoolismo e sofrimento em Belo Horizonte. É terrível. Agora a esperança da dá de ver este movimento com dez anos de vida...(Paulo)












Setembro, 3
Fotos por FERNANDO GOMES
Todas as fotos são do autor.
Assim como em outros estados do Brasil, na Bahia, negros e pobres são os que mais figuram entre os assassinados e agredidos pela PM. Formado por parte dos inconformados com essa realidade, o Reaja ou Será Morto é um movimento que, há dez anos, tem batido de frente com o racismo permitido pelo Estado. Trata-se de uma articulação de movimentos e comunidades da capital e do interior da Bahia lutando contra a violência policial e a favor tanto da causa antiprisional como da reparação aos familiares de vítimas do Estado e de grupos de extermínio. Uma das ações articuladas pelo Reaja é a Marcha Internacional Contra o Genocídio do Povo Negro, que teve sua terceira edição realizada no dia 24 de agosto nas ruas do centro de Salvador. No mesmo asfalto em que brasileiros e gringos dançam e se divertem no carnaval, milhares de militantes marcharam por algumas horas numa postura de enfrentamento ao poder público e de gritos por justiça e pelo fim da PM.





A marcha teve início na região em frente ao Quartel dos Aflitos, uma das principais bases da Polícia Militar baiana, e seguiu até o prédio da Secretaria de Segurança Pública, na Piedade. "O percurso também fez parte de nosso grito. Esse é o mais antigo quartel da Policia Militar do Brasil, e a Praça da Piedade é onde os heróis da Revolta dos Búzios (luta baiana de caráter abolicionista realizada em 1798) foram executados", afirmou Daniele Mascarenhas, integrante do Reaja, em conversa com a VICE. Durante a manifestação, gente de outros estados e países juntava-se aos baianos com gritos e cartazes que lembravam fatos como a recente chacina no bairro do Cabula, em Salvador, na qual treze jovens foram mortos pela PM baiana. Segundo o inquérito da polícia, houve confronto; porém, a versão foi contestada pela denúncia do Ministério Público, que trata o caso como "execução" e chama atenção para a quantidade e direção dos disparos feitos pelos policiais – as vítimas estavam ajoelhadas ou deitadas e foram encontradas com marcas de agressão. Numa rapidez incomum em se tratando de justiça brasileira, os nove policiais acusados foram absolvidos pela juíza Marivalda Almeida Moutinho.

De acordo com pesquisa divulgada pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais em parceria com a Unesco, no Brasil, das 39 mil vítimas de disparo de arma de fogo em 2012, 28 mil eram negros. Parte dos presentes na marcha era composta por mães, familiares e amigos de alguns dos mortos em casos como esses. O Reaja tem lutado para não deixar a chacina do Cabula cair no esquecimento. "Para nós, isso foi um recado de intimidação, foi um aviso do governo Rui Costa a todo povo negro, a materialização do que é a Segurança Pública desse país: uma máquina de moer gente preta. Infelizmente, isso não é novidade. Gritamos isso desde 2005, e outros e outras gritaram sobre isso antes de nós. Falamos sobre o baralho do crime, uma ferramenta altamente racista utilizada pela polícia baiana para caçar pretos, falamos sobre o Pacto pela Vida e suas 'Bases Comunitárias de Segurança', que militarizam e violentam os bairros onde a população é majoritariamente negra", reforça Daniele. Na manhã que antecedeu a marcha, o grupo de militantes ainda foi ao local onde os mortos foram encontrados, um campo de terra batida numa comunidade do Cabula, para prestar homenagem a eles com a instalação de um memorial. "Estávamos lá sob as lágrimas e os testemunhos de mães, avós e irmãs. Na Bahia, acontece assim: se morre um preto ou treze, é 'Olho viu, boca piu'. A Campanha Reaja quebrou e vem quebrando esse silêncio racista que nosso Estado injeta nas pilhas de cadáveres pretos que o Estado executa. Nossos mortos têm nome, nós sabemos [os nomes] e os carregamos por onde andamos."






Durante os dois dias que antecederam a manifestação nas ruas, o Reaja promoveu ainda o 1º Encontro de Formação e Organização Pan-africanista. Autonomia, autogestão e Pan-africanismo (ideologia que prega a união dos povos africanos como um só povo) são as bases principais do movimento, tendo as mães e mulheres aliadas em geral como comando vital. "É isso que pauta nossos princípios. Não somos ativistas, somos militantes, pois não falamos nem lutamos por algo externo – estamos em luta pela nossa própria vida", enfatiza Daniele.







Durante todo o percurso da marcha, não havia muito espaço para sorrisos, danças ou qualquer tipo de festividade – o momento ali era de combate, punhos cerrados, roupas pretas e negros se protegendo com métodos de organização dos Panteras Negras. Muitas vezes, se ouvia gritos de "Feche a cara", expressão recorrente na Bahia que chamava atenção para a seriedade e respeito com que a marcha devia ser encarada. Daniele Mascarenhas explica: "A marcha não é o começo nem o fim de um ciclo, é o momento em que nosso movimento sai do subterrâneo, das favelas, cadeias, becos e toma as ruas, junto com os nossos mortos. O Reaja surgiu para fazer uma articulação entre nossas comunidades e os movimentos sociais negros para politizar nossas mortes, colocar em evidência a brutalidade policial, a seletividade do sistema de justiça criminal que nos têm como bandidos-padrão. Este mesmo Estado genocida vê na cor de nossa pele, nossa condição econômica e de moradia, nossa herança ancestral e pertencimento racial, as etiquetas de 'inimigos a serem combatidos'".

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