O mínimo
que você precisa saber sobre Descartes para não ser um idiota.
mar 1,
2015
Se há um panteão dos filósofos
mais influentes que já existiram, René Descartes com certeza faz parte dele. Em
1596, período em que Shakespeare escrevia Hamlet, Descartes nasce no
vilarejo de Touraine, na França, que posteriormente foi batizado em sua
homenagem passando a chamar “La-Haye-Descartes”. Considerado como o pai da
filosofia moderna, Descartes passou dos 11 aos 19 anos estudando os clássicos e
filosofia no colégio jesuíta de La Flèche. Durante toda a sua vida ele foi
católico, mas passou a maior parte de sua maturidade na Holanda, país
protestante que era conhecido por ser sua liberdade de expressão e religiosa –
ao menos em comparação com os outros países europeus da época.
Maurício
de Nassau
Ao 20 anos, em 1616, Descartes se
formou em direito em Poitiers, mas abandonou seus estudos e se alistou em dois
exércitos diferentes. Sim, ele pegou em armas nas guerras religiosas que
dividiram a Europa e se alistou em ambos os lados, em períodos diferentes. Para
ter uma ideia, ele chegou a se alistar no exército de Maurício de Nassau – sim,
aquele Conde (que se tornou príncipe depois) que veio ao Brasil com a Companhia
das Índias Ocidentais. Descartes, ainda que seja considerado um dos maiores
filósofos da história da filosofia, diferente dos outros filósofos ele jamais
lecionou. Ele era um homem privado, mas que queria sua obra o mais difundida
possível. Tanto é que sua obra mais famosa não foi publicada originalmente no
latim, língua adotada nas universidades e meios letrados sendo considerada a
mais “culta”, mas ele escreveu diretamente no francês, de forma que pudesse ser
entendido por todos – ainda que não fosse um acadêmico. Além disso ele zombava
a seus amigos sobre sua capacidade de escrita, que ainda hoje é clara e
objetiva (muito diferente dos textos clássicos de filosofia) fazendo com que
seus livros pudessem ser lidos “como se fossem romances”.
Plano
cartesiano
Descartes, ainda que seja
reconhecido como o pai da filosofia moderna, também é estudado na física e
matemática, reverenciado como aquele que lançou as fundações da geometria
analítica. Até hoje é ensinado nas escolas as coordenadas cartesianas, que
foram batizadas a partir da forma latina de seu sobrenome, Cartesius.
Descartes foi um cientista moderno. Quando um estranho pedia para ver sua
biblioteca, Descartes apontava para as carcaças de um animal dissecado, além
dele próprio fabricar as lentes que usava em seus experimentos de ótica. Ele
confiava na experiência prática, antes que no aprendizado teórico. Mas confiava
ainda mais em suas reflexões filosóficas. Em 1632, Descartes estava prestes a
publicar uma obra que visava explicar “a natureza da luz, o Sol e as estrelas
fixas que a emitem, os céus que a refletem ou transparentes ou luminosos e do
Homem, seu espectador”. Seu sistema era heliocêntrico, ou seja, a terra era
apenas mais um planeta girando em torno do Sol. Essa obra foi intitulada “O
Mundo” e estava prestes a ser impresso quando Descartes descobriu que Galileu
tinha acabado de ser condenado por sustentar o sistema copernicano, que também
é heliocêntrico. Para evitar conflitos e ser perseguido, ele guardou sua obra
em seus arquivos.
Ao invés de publicar sua obra O
Mundo, Descartes resolveu publicar em 1637 “alguns exemplos de seu método”,
que continham como prefácio “um discurso para bem conduzir a própria razão e
procurar a verdade nas ciências”. Entre as obras, que são lidas em sua maioria
pelos historiadores da ciência apenas, está uma das obras mais famosas de
Descartes – que diferente das outras é lida até hoje pelas mais diversas áreas,
principalmente pela Filosofia. O seu Discurso do Método pode ser
considerado uma das obras mais populares entre todos os clássicos da filosofia,
cuja importância é comparável às obras de Platão e Aristóteles, com a vantagem
de ser uma obra curta e muito mais legível por um leitor não especializado.
Logo em sua introdução há uma das frases filosóficas que pode ser adaptada para
todos os tempos e sociedades, pois parece atingir em cheio a natureza do ser
humano:
“O bom senso é a coisa mais bem
distribuída no mundo, pois cada um pensa estar tão bem provido dele que mesmo
aqueles que são mais difíceis de se contentar em qualquer outra coisa, não
costumam desejar tê-lo mais do que o têm.(…)”
O Discurso do Método é a
obra de Descartes que sintetiza seu pensamento diante do modo como devemos
adquirir conhecimento. Do método que devemos usar, de acordo com ele, para
conseguirmos encontrar verdades sobre nós e sobre o mundo a nossa volta.
Tomando para si a ideia de empreender uma reforma de todo entendimento humano,
tentando apresentar que todas as disciplinas eram meros ramos de uma única e
maravilhosa ciência, fundamentada sobre os alicerces da filosofia, Descartes
oferece seu método. Nesta obra sucinta ele apresenta seu método, mas apenas na
obra Meditações Metafísicas, ou também traduzida como Meditações Sobre
a Filosofia Primeira, que
Discurso do Método, obra de Descartes publicada em 1637 que sintetiza
seu método filosófico.
Descartes apresenta os argumentos
para defender sua posição filosófica. Uma curiosidade sobre esse texto é que
antes de ser publicado, Descartes pediu para um amigo encaminhar o texto para
alguns acadêmicos e pensadores da época, esperando por comentários e críticas.
Descartes recebeu seis conjuntos de objeções às teses apresentadas no Discurso
do Método, que foram impressos junto das réplicas feita por Descartes, em
um extenso apêndice à primeira edição de 1641. Sendo assim, o Discurso do
Método foi a primeira obra revista por pares da história, isto é, a
primeira obra que recebeu comentários, críticas e objeções antes de ser publicada.
Esse método de revisão por pares é hoje algo natural no meio científico e
acadêmico. Todos as obras científicas atualmente, sejam livros ou artigos,
passam por revisão de especialistas. No caso dos livros a revisão geralmente é
feita tal como Descartes fez, ou seja, fazendo o texto circular no meio dos
especialistas da área. Já no caso dos artigos, as revistas especializadas
(chamadas de “periódicos acadêmicos”), ao receberem um artigo para a
publicação, fazem com que o artigo passe por uma equipe de revisores antes de
aceitar ou não a publicação. A isso também devemos a Descartes.
Diferente dos filósofos
medievais, que se engajavam cada um a seu modo na tentativa de transmitir um
corpo de conhecimento já fundamentados em escritores clássicos, e que tal
transmissão poderia apenas tornar o aperfeiçoamento de ideias possível; E
diferente dos filósofos renascentistas, que pensavam estar redescobrindo e
oferecendo fundamentações modernas para os textos antigos, sem cair na exegese
tal qual faziam os medievais; Descartes via a si próprio como um divisor de
águas, como o primeiro filósofo desde a Antiguidade a apresentar uma tese de
fato inovadora. Ainda que seja argumentável se ele de fato conseguiu isso, é
consenso entre os filósofos e historiadores da filosofia que Descartes
desenvolveu, ou ao menos apresentou um sofisticado sistema filosófico poucas
vezes visto até então.
René Descartes, filósofo francês e considerado o pai da filosofia
moderna.
O método proposto por Descartes
pode ser resumido da seguinte maneira: devemos pôr em dúvida tudo aquilo que
pode nos parecer falso. Deveríamos encarar com ceticismo tudo o que nos
apresentam, e com essa mesma postura deveríamos encarar tudo o que defendemos.
De acordo com esse método, deveríamos sempre fornecer fundamentações sólidas
para nossas teses, fundamentações essa que sejam irrefutáveis a luz do
ceticismo. A partir dessa fundamentação deveríamos reconstruir todo o nosso
edifício de conhecimento. Teríamos assim uma base, um fundamento inquestionável
que a partir dele poderíamos, por argumentos dedutivos e por um método claro e
criterioso, remontar passo-a-passo esse edifício. Assim, enfim, teríamos um
conhecimento fundamentado, aceito indubitavelmente (ou seja, sem dúvida ou
questionamento contra), de modo que poderíamos afirmar com certeza o que
conhecemos, sem recairmos nos argumentos céticos e nas ilusões do raciocínio
obscuro e infundado. Deste modo, esse método se enquadra como uma tentativa de
fugir dos argumentos céticos.
Duas ideias chaves no pensamento
de Descartes, que são apresentadas já no Discurso do Método, é que os
seres humanos são caracterizados por sua mente, são substâncias pensantes. Isso
se distingue do seu corpo, que é um objeto físico e material. A matéria seria a
extensão em movimento. Essa distinção entre mente e corpo é chamada de
“dualismo”. Se hoje algumas pessoas têm a tendência natural de pensar que mente
e matéria são duas coisas distintas (algumas pessoas até mesmo identificamos a
alma como sendo a mente), é devido ao dualismo proposto por Descartes.
A aplicação sistemática do método
proposto por Descartes, como vimos, visa apresentar uma fundamentação
indubitável para todo o conhecimento. Deste modo, quando perguntarmos quais a
justificativas temos para uma certa crença, essa justificação remontaria a uma
cadeia de justificações que teria em sua base essa fundamentação indubitável,
resultante do método de Descartes. Seria a justificação de todas as
justificações, digamos assim.
Para evitar sermos conduzidos ao
erro, diz o método, devemos recusar tudo que possa ser posto em dúvida. Eis que
ele assume o ceticismo para argumentar a favor de sua tese. Vamos ver como:
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