sábado, 12 de março de 2016

É isto aí, Putin



Como Putin
Tentou Controlar a Internet
Escrito por Andrei Soldatov e Irina Borogan
2ª e última parte




“Se por causa da internet nós formos forçados a esquecer nossa grande língua russa em favor de um palavreado chulo, não aceitaremos isso de bom grado." 

Se por causa da internet nós formos forçados a esquecer nossa grande língua russa em favor de um palavreado chulo, não aceitaremos isso de bom grado", me disse Krutskikh, remetendo às suspeitas de Putin em relação à internet e quem estaria no seu comando. 

Krutskikh propôs repetidas vezes algum tipo de acordo ou tratado internacional que daria à Rússia o tão desejado controle sobre a internet. Influenciado por sua experiência em negociações de controle de armamentos, ele estava convencido de que, caso um acordo do tipo viesse a existir, ele deveria ser feito entre a Rússia e os Estados Unidos.
Krutskikh não era anti-americano; na verdade, ele se afeeiçoou à ideia de que as duas ex-superpotências da Guerra Fria pudessem fazer um pacto que desse à Rússia controle sobre seu espaço digital. 

Os Estados Unidos, no entanto, nunca se interessaram pela ideia — o governo norte-americano nunca tentou controlar o conteúdo da internet e muitos dos pioneiros defendiam muito claramente a ideia da rede como um símbolo de liberdade de informação. O maior desejo de Krutskikh, porém, era ser levado à sério. Queria que suas opiniões fossem respeitadas como durante a Guerra Fria. 

Mas respeito foi algo que ele nunca conseguiu. Em um encontro bilateral sediado em Viena em 2009, Krutskikh fez um longo discurso sobre como a Rússia e os Estados Unidos — e talvez outras nações — deveriam se unir para regulamentar a internet. 

Krutskikh se mostrou preocupado com a possibilidade de que a internet estivesse saindo de controle e de que o ciberespaço virasse o palco de uma corrida armamentista. Segundo ele, aquela era a hora de tomar as rédeas da situação. 

Os generais russos sentiam que o país estava perdendo a ciber-corrida armamentista global e desejavam impor alguns limites à capacidade ofensiva dos Estados Unidos. Mas o discurso de Krutskikh foi ignorado.
Um diplomata americano escreveu um pequeno relato sobre o encontro; no texto afirmava que "houve poucas mudanças, se é que houve alguma, nos discursos russo e americano". Krutskikh queria desesperadamente redigir algum tipo de pronunciamento conjunto com os Estados Unidos, mas o governo dos EUA se recusava a assinar qualquer documento. 

Krutskikh não desistiu. Em 2010 o Laboratório Kaspersky investigou o Stuxnet, um worm americano-israelense que destruiu o sistema de quase mil centrífugas de enriquecimento de urânio iranianas. Krutskikh utilizou o incidente — que envolvia um malware poderoso criado, em parte, pelos EUA — como uma justificativa para banir todo tipo de ciber-armas. 

Em 2011, Eugene Kaspersky, conhecido empresário do ramo da internet, se uniu à voz daqueles que defendiam a proibição das ciber-armas e, em novembro do mesmo ano, ele escreveu em seu blog, “considerando o fato de que que a paz e a estabilidade mundiais dependem em grande parte da internet, é preciso criar uma organização internacional para controlar as ciber-armas. Uma Agência Internacional de Energia Atômica, mas dedicada a regulamentar o ciberespaço." 

 Crédito: Drop of Light/Shutterstock 

Localizada nos Alpes Bavarianos, a pequena cidade turística de Garmisch-Partenkirchen é famosa por suas paisagens espetaculares e por abrigar o Centro Marshall de Estudos de Segurança da OTAN. 

Próximo ao Centro existe um lindo hotel chamado Atlas, uma construção de três andares no estilo bavariano localizada a vinte minutos de distância do Centro Marshall. Fundado no início do século 16 como uma taverna, o hotel já recebeu visitantes ilustres como o Duque Ludwig da Bavária, o Príncipe de Gales e o rei da Jordânia. Todo mês de abril, o hotel hasteia uma bandeira russa de sua varanda, pendurada pessoalmente por Sherstyuk, que, desde 2007, traz para o hotel um grupo de generais e altos oficiais russos e americanos para uma semana de debates sobre questões de segurança de informação e ciber-conflito. 

Os primeiros dois dias do encontro são sempre reservados para discussões gerais sobre cibersegurança. Os russos se juntam em uma parte do hotel e os americanos em outra – em parte porque muitos russos não falam inglês e a maioria dos americanos não fala russo. O terceiro dia é reservado para encontros individuais. As verdadeiras decisões são feitas em salas fechadas, onde poucos oficiais são permitidos. 

Klimashin era um dos convidados, assim como Krutskikh, que nunca se cansava de fazer discursos e de defender um acordo sobre "termos e definições" no ciberespaço e de pedir mais envolvimento das Nações Unidas no controle da internet. O foco na ONU era estratégico: a organização, afinal, é formada por governos, e não por empresas, e Krutskikh sabia que muitos desses governos compartilhavam o desejo de controlar a internet dentro de seus territórios. 

O governo dos Estados Unidos levava os encontros anuais em Garmisch muito a sério. Oficiais de alta patente eram enviados para o encontro; em 2010 a delegação americana incluía Chistopher Painter, chefe-adjunto do setor de cibersegurança da Casa Branca, e Judith Strotz, diretora do Gabinete de Questões Cibernéticas do Departamento de Estado. 

“Os russos tem uma definição de segurança de informação totalmente diferente da nossa; para eles, essa noção é mais ampla e está relacionada à segurança de estado."
Oficiais russos especializados em segurança da informação falaram amargamente sobre a dominação americana da internet. Eles dão a entender que todos os mecanismos de controle técnico estavam nas mãos dos EUA. 

O principal alvo dos russos era a Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números, conhecida como ICANN, uma organização não-lucrativa localizada na Califórnia. Em 1997 o Presidente Clinton mandou o secretário de comércio americano privatizar a administração do sistema de nomes de domínios, parte fundamental da internet que serve como um enorme depósito de endereços digitais visitados toda vez que um usuário entra na internet. Essa função havia sido executada previamente pela Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa (DARPA, na sigla original), pela Fundação Nacional da Ciência, e por outras agências americanas. 

A ICANN foi criado no dia 18 de setembro de 1998 e seu contrato com o Departamento de Comércio garantia a supervisão de um certo número de tarefas relacionadas à internet. No entanto, a função mais importante dessa agência era administrar a distribuição de nomes de domínios pelo mundo inteiro. 

Nos anos 2000, vários países se uniram para pedir mais espaço dentro do ICANN, mas a ideia do Kremlin era mais radical: minar o poder dessa agência. 

O presidente do ICANN, Paul Twomey, fez questão de ir para o segundo encontro sediado em Garmisch em 2008. Ele e outros representantes do ICANN estavam determinados a manter uma boa comunicação com os russos. Outro importante representante americano do ICANN que fez questão de participar do encontro foi George Sadowsky. 

Um homem de aparência professoral, Sadowski lecionou matemática em Harvard e foi conselheiro técnico das Nações Unidas na década de 70. Em 2001, Sadowsky se tornou diretor-executivo da Iniciativa Global de Políticas da Internet, que promovia a liberdade digital na Ásia Central e em países que já fizeram parte da União Soviética. Em 2009, ele foi eleito para o conselho de diretores do ICANN. 

Sadowsky tinha muita experiência em dialogar com oficiais russos. Aquelas discussões infinitas os frustravam; ambos os lados viam o mundo de formas fundamentalmente diferentes. A dificuldade era visível até na hora de criar um léxico comum; as discussões eram cheias de divergências sobre definições básicas acerca do tema. “A internet é um serviço de comunicação ou um serviço de informação?", lembra Sadowsky. “E a discussão nunca acabava.” 

Os russos e os americanos tentavam ser amigáveis, mas eles estavam em um impasse. E a cada ano as discussões ficavam mais difíceis — após a conferência de 2010 Sadowsky admitiu que “os russos tem uma definição de segurança de informação totalmente diferente da nossa; para eles, essa noção é mais ampla, e está relacionada à segurança de estado.” 

Andrei Soldatov e Irina Borogan são os co-fundadores da Agentura.ru e autores da The New Nobility. Seu trabalho já foi publicado no New York Times, no Moscow Times, no Washington Post, no Online Journalism Review, no Le Monde, no Christian Science Monitor, na CNN e na BBC. O The New York Times definiu o Agentura.ru como "um site que veio do frio para revelar todos os segredos da Rússia". Soldatov e Borogan vivem em Moscou.
Para saber mais sobre o texto The Red Web clique aqui.
Tradução: Ananda Pieratti

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