Como
Putin
Tentou
Controlar a Internet
Escrito por Andrei Soldatov e Irina Borogan
2ª e última parte
“Se por causa da internet nós formos forçados a
esquecer nossa grande língua russa em favor de um palavreado chulo, não
aceitaremos isso de bom grado."
“Se por causa da internet nós formos forçados a
esquecer nossa grande língua russa em favor de um palavreado chulo, não
aceitaremos isso de bom grado", me disse Krutskikh, remetendo às suspeitas
de Putin em relação à internet e quem estaria no seu comando.
Krutskikh propôs repetidas vezes
algum tipo de acordo ou tratado internacional que daria à Rússia o tão desejado
controle sobre a internet. Influenciado por sua experiência em negociações de
controle de armamentos, ele estava convencido de que, caso um acordo do tipo
viesse a existir, ele deveria ser feito entre a Rússia e os Estados Unidos.
Krutskikh não era anti-americano;
na verdade, ele se afeeiçoou à ideia de que as duas ex-superpotências da Guerra
Fria pudessem fazer um pacto que desse à Rússia controle sobre seu espaço
digital.
Os Estados Unidos, no entanto,
nunca se interessaram pela ideia — o governo norte-americano nunca tentou
controlar o conteúdo da internet e muitos dos pioneiros defendiam muito
claramente a ideia da rede como um símbolo de liberdade de informação. O maior
desejo de Krutskikh, porém, era ser levado à sério. Queria que suas opiniões
fossem respeitadas como durante a Guerra Fria.
Mas respeito foi algo que ele
nunca conseguiu. Em um encontro bilateral sediado em Viena em 2009, Krutskikh
fez um longo discurso sobre como a Rússia e os Estados Unidos — e talvez outras
nações — deveriam se unir para regulamentar a internet.
Krutskikh se mostrou preocupado
com a possibilidade de que a internet estivesse saindo de controle e de que o
ciberespaço virasse o palco de uma corrida armamentista. Segundo ele, aquela
era a hora de tomar as rédeas da situação.
Os generais russos sentiam que o
país estava perdendo a ciber-corrida armamentista global e desejavam impor
alguns limites à capacidade ofensiva dos Estados Unidos. Mas o discurso de
Krutskikh foi ignorado.
Um diplomata americano escreveu
um pequeno
relato sobre o encontro; no texto afirmava que
"houve poucas mudanças, se é que houve alguma, nos discursos russo e
americano". Krutskikh queria desesperadamente redigir algum tipo de
pronunciamento conjunto com os Estados Unidos, mas o governo dos EUA se
recusava a assinar qualquer documento.
Krutskikh não desistiu. Em 2010 o
Laboratório Kaspersky investigou
o Stuxnet, um worm americano-israelense que destruiu o sistema de
quase mil centrífugas de enriquecimento de urânio iranianas. Krutskikh utilizou
o incidente — que envolvia um malware poderoso criado, em parte, pelos
EUA — como uma justificativa para banir todo tipo de ciber-armas.
Em 2011, Eugene Kaspersky,
conhecido empresário do ramo da internet, se uniu à voz daqueles que defendiam
a proibição das ciber-armas e, em novembro do mesmo ano, ele escreveu
em seu blog, “considerando o fato de que que a paz e a
estabilidade mundiais dependem em grande parte da internet, é preciso criar uma
organização internacional para controlar as ciber-armas. Uma Agência
Internacional de Energia Atômica, mas dedicada a regulamentar o
ciberespaço."
Localizada nos Alpes Bavarianos,
a pequena cidade turística de Garmisch-Partenkirchen é famosa por suas
paisagens espetaculares e por abrigar o Centro Marshall de Estudos de Segurança
da OTAN.
Próximo ao Centro existe um lindo
hotel chamado Atlas, uma construção de três andares no estilo bavariano
localizada a vinte minutos de distância do Centro Marshall. Fundado no início
do século 16 como uma taverna, o hotel já recebeu visitantes ilustres como o
Duque Ludwig da Bavária, o Príncipe de Gales e o rei da Jordânia. Todo mês de
abril, o hotel hasteia uma bandeira russa de sua varanda, pendurada
pessoalmente por Sherstyuk, que, desde 2007, traz para o hotel um grupo de
generais e altos oficiais russos e americanos para uma semana de debates sobre
questões de segurança de informação e ciber-conflito.
Os primeiros dois dias do
encontro são sempre reservados para discussões gerais sobre cibersegurança. Os
russos se juntam em uma parte do hotel e os americanos em outra – em parte
porque muitos russos não falam inglês e a maioria dos americanos não fala
russo. O terceiro dia é reservado para encontros individuais. As verdadeiras
decisões são feitas em salas fechadas, onde poucos oficiais são permitidos.
Klimashin era um dos convidados,
assim como Krutskikh, que nunca se cansava de fazer discursos e de defender um
acordo sobre "termos e definições" no ciberespaço e de pedir mais
envolvimento das Nações Unidas no controle da internet. O foco na ONU era
estratégico: a organização, afinal, é formada por governos, e não por empresas,
e Krutskikh sabia que muitos desses governos compartilhavam o desejo de
controlar a internet dentro de seus territórios.
O governo dos Estados Unidos
levava os encontros anuais em Garmisch muito a sério. Oficiais de alta patente eram
enviados para o encontro; em 2010 a delegação americana incluía Chistopher
Painter, chefe-adjunto do setor de cibersegurança da Casa Branca, e Judith
Strotz, diretora do Gabinete de Questões Cibernéticas do Departamento de
Estado.
“Os russos tem uma definição de segurança de
informação totalmente diferente da nossa; para eles, essa noção é mais ampla e
está relacionada à segurança de estado."
Oficiais russos especializados em
segurança da informação falaram amargamente sobre a dominação americana da
internet. Eles dão a entender que todos os mecanismos de controle técnico
estavam nas mãos dos EUA.
O principal alvo dos russos era a
Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números, conhecida como
ICANN, uma organização não-lucrativa localizada na Califórnia. Em 1997 o
Presidente Clinton mandou o secretário de comércio americano privatizar a administração
do sistema de nomes de domínios, parte fundamental da internet que serve como
um enorme depósito de endereços digitais visitados toda vez que um usuário
entra na internet. Essa função havia sido executada previamente pela Agência de
Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa (DARPA, na sigla original), pela
Fundação Nacional da Ciência, e por outras agências americanas.
A ICANN foi criado no dia 18 de
setembro de 1998 e seu contrato com o Departamento de Comércio garantia a
supervisão de um certo número de tarefas relacionadas à internet. No entanto, a
função mais importante dessa agência era administrar a distribuição de nomes de
domínios pelo mundo inteiro.
Nos anos 2000, vários países se
uniram para pedir mais espaço dentro do ICANN, mas a ideia do Kremlin era mais
radical: minar o poder dessa agência.
O presidente do ICANN, Paul
Twomey, fez questão de ir para o segundo encontro sediado em Garmisch em 2008.
Ele e outros representantes do ICANN estavam determinados a manter uma boa
comunicação com os russos. Outro importante representante americano do ICANN
que fez questão de participar do encontro foi George Sadowsky.
Um homem de aparência
professoral, Sadowski lecionou matemática em Harvard e foi conselheiro técnico
das Nações Unidas na década de 70. Em 2001, Sadowsky se tornou
diretor-executivo da Iniciativa Global de Políticas da Internet, que promovia a
liberdade digital na Ásia Central e em países que já fizeram parte da União
Soviética. Em 2009, ele foi eleito para o conselho de diretores do ICANN.
Sadowsky tinha muita experiência
em dialogar com oficiais russos. Aquelas discussões infinitas os frustravam;
ambos os lados viam o mundo de formas fundamentalmente diferentes. A
dificuldade era visível até na hora de criar um léxico comum; as discussões
eram cheias de divergências sobre definições básicas acerca do tema. “A
internet é um serviço de comunicação ou um serviço de informação?", lembra
Sadowsky. “E a discussão nunca acabava.”
Os russos e os americanos
tentavam ser amigáveis, mas eles estavam em um impasse. E a cada ano as
discussões ficavam mais difíceis — após a conferência de 2010 Sadowsky admitiu que “os
russos tem uma definição de segurança de informação totalmente diferente da
nossa; para eles, essa noção é mais ampla, e está relacionada à segurança de
estado.”
Andrei Soldatov e Irina Borogan são os
co-fundadores da Agentura.ru e
autores da The New Nobility. Seu trabalho já foi publicado no New York Times,
no Moscow Times, no Washington Post, no Online Journalism Review, no Le Monde,
no Christian Science Monitor, na CNN e na BBC. O The New York Times definiu o Agentura.ru como
"um site que veio do frio para revelar todos os segredos da Rússia".
Soldatov e Borogan vivem em Moscou.
Tradução: Ananda Pieratti
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