Os machos suicidas, ou como o perfeccionismo pode ser mortal
Os
suicídios masculinos superam em número os femininos no mundo todo. A ciência
explica por quê
Continua...
Perfil do perfeccionista social
Um perfeccionista social tem
expectativas anormalmente altas em relação a si mesmo. Sua autoestima depende
perigosamente de sua capacidade de manter um nível, às vezes impossível, de
sucesso. Diante do fracasso, entra em colapso.
Mas os perfeccionistas sociais
não são os únicos a se confundir com seus objetivos, seu papel ou suas
aspirações. O professor Brian Little, da Universidade de Cambridge, é famoso
por suas pesquisas sobre “projetos pessoais”. Ele acredita que se nos
identificamos tão estreitamente com eles é porque acabamos por integrá-los a
nossa própria concepção do eu. “Vocês são seus projetos pessoais”, como
costumava repetir para seus estudantes, em Harvard.
Segundo Little, existem diferentes
tipos de projetos, com diferentes cargas de valor. Levar o cachorro para
passear não é menos projeto pessoal que chegar a um posto importante na
administração pública ou se tornar um bom pai ou bom marido.
Surpreendentemente, acredita-se que a magnitude de nossos projetos não influi
tanto sobre nosso bem-estar. O que faz a verdadeira diferença sobre nossa
felicidade é se esses projetos são ou não realizáveis.
O que acontece quando nossos
projetos pessoais começam a desmoronar? Como fazer para enfrentar isso? Existe
uma diferença de gênero que explique por que tantos homens decidem acabar com
suas vidas?
Sim, existe. Supõe-se que, em
geral, para seu próprio mal, um homem acha difícil falar sobre seus dilemas
emocionais. O mesmo acontece quando se trata de falar de projetos, se eles
começam a sair dos trilhos. Em seu livro Me, Myself, and Us (eu, eu
mesmo e nós), Little escreve: “As mulheres tiram proveito de dar visibilidade a
seus projetos e aos desafios que encaram em sua busca, ao passo que um homem prefere
reservar esses problemas para si mesmo”.
Little também descobriu, como
parte de um estudo sobre indivíduos em altos cargos de direção, outra diferença
relevante entre gêneros. “Não oferecer resistência à correnteza é uma
importante característica diferenciadora nos homens”, diz. “Eles são motivados
principalmente com o avanço, concentrados em ir abrindo caminho. As mulheres se
preocupam mais com o clima organizacional, em como se conectar com o resto.
Creio que isso possa ser extrapolado para aspectos além do ambiente laboral.
Não quero perpetuar estereótipos, mas os dados são claros o bastante.”
Essa teoria tem o suporte de um
relatório muito influente, publicado em 2000 pela equipe de Shelley Taylor,
professora da UCLA, sobre as respostas biocomportamentais ao estresse. Os dados
mostram que enquanto os homens tendem a mostrar uma filosofia de lutar ou
fugir, as mulheres são mais propensas a servir e a se relacionar. “Embora uma
mulher possa considerar muito seriamente o suicídio”, afirma Little, “dada sua
conectividade social, é provável que também pense, ‘Meu Deus, o que vai ser dos
meus filhos? O que minha mãe vai pensar?’ então há uma certa resistência a
levar o ato ao cabo”. No caso masculino, a morte pode ser entendida como a fuga
definitiva.
Essa forma letal de saída exige
determinação. O doutor Thomas Joiner, da Universidade Estadual da Flórida,
concentra seus estudos nas diferenças entre os que consideram o suicídio e os
que realmente agem sobre seu desejo de morte. “Não se pode agir sem antes vencer
o medo da morte”, afirma. “E creio que seja isso que marque a verdadeira
diferença entre gêneros.” Joiner fala sobre sua vasta coleção de vídeos de
câmeras de segurança e da polícia mostrando pessoas “com um desejo desesperado
de tirar a própria vida e que, no último momento, vacilam por medo. É esse
momento de dúvida que salva suas vidas”. Isso significa que os homens sejam
menos propensos a fraquejar? “Exato.”
Na maioria dos países ocidentais
as mulheres tentam se suicidar com mais frequência que os homens. Se os homens
morrem mais se deve em grande parte ao método escolhido. Enquanto os homens
optam pelas as armas ou o enforcamento, as mulheres preferem usar pílulas.
Martin Seager, psicólogo clínico e assessor dos Samaritanos, acredita que isso
demonstre que os homens abrigam uma maior intenção suicida. “O método escolhido
reflete sua psicologia”, diz. Por sua vez, Daniel Freeman, do departamento de
psiquiatria da Universidade de Oxford, fala sobre um estudo com 4.415 pacientes
que passaram pelo hospital após uma tentativa de suicídio, que revela maior
intenção nos homens que nas mulheres. Mesmo assim a hipótese continua
basicamente sem ser investigada. “Não creio que tenha sido demonstrado de forma
definitiva,” diz. “Mas também é verdade que seria incrivelmente complicado de
provar.”
Um
perfeccionista social tem umas expectativas inusualmente altas de si mesmo. Seu
autoestima pende perigosamente de sua capacidade para manter um nível, às vezes
impossível, de sucesso. Ante o fracasso, colapsa
A questão da intenção também
continua em aberto para O’Connor. “Não conheço nenhum estudo decente sobre o
tema, porque tratar disso seria realmente complicado”, assegura. Mas para
Seager a coisa está clara. “Os homens consideram o suicídio uma forma de
execução”, afirma. “Um homem expulsa a si mesmo do mundo. Falamos de uma enorme
sensação de vergonha e fracasso. O gênero masculino se sente responsável por
prover e proteger os demais, além de responsável por seu próprio sucesso.
Quando uma mulher perde seu emprego é doloroso, mas não perde seu sentido da
identidade nem sua feminilidade. Quando um homem perde seu trabalho sente que
já não é um homem.”
Tem a mesma ideia o professor Roy
Baumeister, célebre psicólogo cuja teoria do suicídio como ‘escape do eu’ teve
grande influência sobre O’Connor. Segundo Baumeister, “um homem incapaz de
prover para sua família não pode se considerar, de forma nenhuma, um homem.
Enquanto uma mulher nunca deixa de ser mulher, a hombridade pode ser perdida”.
Suicídio por vergonha
Na China não é incomum que um
funcionário corrupto se suicide, em parte para que seus familiares possam
desfrutar do butim obtido de forma indevida, mas também para se livrar da
vergonha e da prisão. O ex-presidente da Coreia do Sul Roh Moo-hyun fez isso em
2009, depois de ser acusado de aceitar suborno. Uichol Kim diz que, do ponto de
vista de Roh, “ele se suicidava para salvar sua esposa e seu filho. A única
maneira [pensou] de parar a investigação era se matar”.
Kim esclarece que a vergonha não
costuma ser um fator de peso nos suicídios na Coreia do Sul, mesmo que seja em
outros países. Chikako Ozawa-de Silva, antropóloga na Emory College de Atlanta,
relata que no Japão “a ideia é que ao se suicidar, um indivíduo reestabelece a
honra de sua família e salva os outros da vergonha”.
“O valor dado a outras pessoas se
torna então uma carga adicional”, explica Kim. A vergonha individual pode vazar
e macular o ambiente. Sob a antiga lei confuciana, seriam executadas até três
gerações dos familiares de um criminoso.
Tanto em japonês quanto em
coreano o termo ser humano significa humano entre. O sentimento
de individualidade é muito mais frouxo na Ásia que no Ocidente – e mais
absorvente. Expande-se para incluir os grupos dos quais alguém faz parte. Isso
implica num profundo sentimento de responsabilidade em relação aos outros que
ressoa profundamente naqueles com tendências suicidas.
O conceito de si mesmo, no Japão,
está muito intimamente vinculado à sua função. Segundo Ozawa-de Silva, é
habitual que as pessoas se apresentem antes por seu cargo que por seu nome. “Em
vez de dizer ‘Oi, meu nome é David’, no Japão dizem ‘Oi, sou o David da Sony”,
afirma. Isso acontece “até ao se relacionar em ambientes informais”. Em tempos
adversos, esse impulso japonês de transportar o papel profissional para o
terreno pessoal pode se tornar particularmente letal. “Há anos, até séculos,
glorificam o suicídio, provavelmente desde os samurais.” Como as pessoas tendem
a ver sua empresa como se fosse sua família, “um diretor geral dirá, ‘me responsabilizo
pela empresa’ e tirará a vida, e o mais provável é que os meios de comunicação
vejam isso como um ato de honra”, assegura Ozawa-de Silva. No Japão, nono país
no ranking mundial de suicídios, estima-se que dois terços dos suicídios
ocorridos em 2007 tenham sido masculinos. “Nas sociedades patriarcais o normal
é que a responsabilidade seja assumida pelo pai.”
Não se
trata do que alguém espera de si mesmo, e sim do que acredita que os outros
pensem. Que decepcionou os outros, que fracassou como pai, como irmão, ou o que
quer que seja
continua...
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