sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Homens querem ser donos de tudo

Os machos suicidas, ou como o perfeccionismo pode ser mortal
Os suicídios masculinos superam em número os femininos no mundo todo. A ciência explica por quê
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Perfil do perfeccionista social
Um perfeccionista social tem expectativas anormalmente altas em relação a si mesmo. Sua autoestima depende perigosamente de sua capacidade de manter um nível, às vezes impossível, de sucesso. Diante do fracasso, entra em colapso.


Mas os perfeccionistas sociais não são os únicos a se confundir com seus objetivos, seu papel ou suas aspirações. O professor Brian Little, da Universidade de Cambridge, é famoso por suas pesquisas sobre “projetos pessoais”. Ele acredita que se nos identificamos tão estreitamente com eles é porque acabamos por integrá-los a nossa própria concepção do eu. “Vocês são seus projetos pessoais”, como costumava repetir para seus estudantes, em Harvard.

Segundo Little, existem diferentes tipos de projetos, com diferentes cargas de valor. Levar o cachorro para passear não é menos projeto pessoal que chegar a um posto importante na administração pública ou se tornar um bom pai ou bom marido. Surpreendentemente, acredita-se que a magnitude de nossos projetos não influi tanto sobre nosso bem-estar. O que faz a verdadeira diferença sobre nossa felicidade é se esses projetos são ou não realizáveis.

O que acontece quando nossos projetos pessoais começam a desmoronar? Como fazer para enfrentar isso? Existe uma diferença de gênero que explique por que tantos homens decidem acabar com suas vidas?



Sim, existe. Supõe-se que, em geral, para seu próprio mal, um homem acha difícil falar sobre seus dilemas emocionais. O mesmo acontece quando se trata de falar de projetos, se eles começam a sair dos trilhos. Em seu livro Me, Myself, and Us (eu, eu mesmo e nós), Little escreve: “As mulheres tiram proveito de dar visibilidade a seus projetos e aos desafios que encaram em sua busca, ao passo que um homem prefere reservar esses problemas para si mesmo”.

Little também descobriu, como parte de um estudo sobre indivíduos em altos cargos de direção, outra diferença relevante entre gêneros. “Não oferecer resistência à correnteza é uma importante característica diferenciadora nos homens”, diz. “Eles são motivados principalmente com o avanço, concentrados em ir abrindo caminho. As mulheres se preocupam mais com o clima organizacional, em como se conectar com o resto. Creio que isso possa ser extrapolado para aspectos além do ambiente laboral. Não quero perpetuar estereótipos, mas os dados são claros o bastante.”

Essa teoria tem o suporte de um relatório muito influente, publicado em 2000 pela equipe de Shelley Taylor, professora da UCLA, sobre as respostas biocomportamentais ao estresse. Os dados mostram que enquanto os homens tendem a mostrar uma filosofia de lutar ou fugir, as mulheres são mais propensas a servir e a se relacionar. “Embora uma mulher possa considerar muito seriamente o suicídio”, afirma Little, “dada sua conectividade social, é provável que também pense, ‘Meu Deus, o que vai ser dos meus filhos? O que minha mãe vai pensar?’ então há uma certa resistência a levar o ato ao cabo”. No caso masculino, a morte pode ser entendida como a fuga definitiva.


Essa forma letal de saída exige determinação. O doutor Thomas Joiner, da Universidade Estadual da Flórida, concentra seus estudos nas diferenças entre os que consideram o suicídio e os que realmente agem sobre seu desejo de morte. “Não se pode agir sem antes vencer o medo da morte”, afirma. “E creio que seja isso que marque a verdadeira diferença entre gêneros.” Joiner fala sobre sua vasta coleção de vídeos de câmeras de segurança e da polícia mostrando pessoas “com um desejo desesperado de tirar a própria vida e que, no último momento, vacilam por medo. É esse momento de dúvida que salva suas vidas”. Isso significa que os homens sejam menos propensos a fraquejar? “Exato.”

Na maioria dos países ocidentais as mulheres tentam se suicidar com mais frequência que os homens. Se os homens morrem mais se deve em grande parte ao método escolhido. Enquanto os homens optam pelas as armas ou o enforcamento, as mulheres preferem usar pílulas. Martin Seager, psicólogo clínico e assessor dos Samaritanos, acredita que isso demonstre que os homens abrigam uma maior intenção suicida. “O método escolhido reflete sua psicologia”, diz. Por sua vez, Daniel Freeman, do departamento de psiquiatria da Universidade de Oxford, fala sobre um estudo com 4.415 pacientes que passaram pelo hospital após uma tentativa de suicídio, que revela maior intenção nos homens que nas mulheres. Mesmo assim a hipótese continua basicamente sem ser investigada. “Não creio que tenha sido demonstrado de forma definitiva,” diz. “Mas também é verdade que seria incrivelmente complicado de provar.”

Um perfeccionista social tem umas expectativas inusualmente altas de si mesmo. Seu autoestima pende perigosamente de sua capacidade para manter um nível, às vezes impossível, de sucesso. Ante o fracasso, colapsa

A questão da intenção também continua em aberto para O’Connor. “Não conheço nenhum estudo decente sobre o tema, porque tratar disso seria realmente complicado”, assegura. Mas para Seager a coisa está clara. “Os homens consideram o suicídio uma forma de execução”, afirma. “Um homem expulsa a si mesmo do mundo. Falamos de uma enorme sensação de vergonha e fracasso. O gênero masculino se sente responsável por prover e proteger os demais, além de responsável por seu próprio sucesso. Quando uma mulher perde seu emprego é doloroso, mas não perde seu sentido da identidade nem sua feminilidade. Quando um homem perde seu trabalho sente que já não é um homem.”

Tem a mesma ideia o professor Roy Baumeister, célebre psicólogo cuja teoria do suicídio como ‘escape do eu’ teve grande influência sobre O’Connor. Segundo Baumeister, “um homem incapaz de prover para sua família não pode se considerar, de forma nenhuma, um homem. Enquanto uma mulher nunca deixa de ser mulher, a hombridade pode ser perdida”.

Suicídio por vergonha
Na China não é incomum que um funcionário corrupto se suicide, em parte para que seus familiares possam desfrutar do butim obtido de forma indevida, mas também para se livrar da vergonha e da prisão. O ex-presidente da Coreia do Sul Roh Moo-hyun fez isso em 2009, depois de ser acusado de aceitar suborno. Uichol Kim diz que, do ponto de vista de Roh, “ele se suicidava para salvar sua esposa e seu filho. A única maneira [pensou] de parar a investigação era se matar”.

Kim esclarece que a vergonha não costuma ser um fator de peso nos suicídios na Coreia do Sul, mesmo que seja em outros países. Chikako Ozawa-de Silva, antropóloga na Emory College de Atlanta, relata que no Japão “a ideia é que ao se suicidar, um indivíduo reestabelece a honra de sua família e salva os outros da vergonha”.

“O valor dado a outras pessoas se torna então uma carga adicional”, explica Kim. A vergonha individual pode vazar e macular o ambiente. Sob a antiga lei confuciana, seriam executadas até três gerações dos familiares de um criminoso.

Tanto em japonês quanto em coreano o termo ser humano significa humano entre. O sentimento de individualidade é muito mais frouxo na Ásia que no Ocidente – e mais absorvente. Expande-se para incluir os grupos dos quais alguém faz parte. Isso implica num profundo sentimento de responsabilidade em relação aos outros que ressoa profundamente naqueles com tendências suicidas.

O conceito de si mesmo, no Japão, está muito intimamente vinculado à sua função. Segundo Ozawa-de Silva, é habitual que as pessoas se apresentem antes por seu cargo que por seu nome. “Em vez de dizer ‘Oi, meu nome é David’, no Japão dizem ‘Oi, sou o David da Sony”, afirma. Isso acontece “até ao se relacionar em ambientes informais”. Em tempos adversos, esse impulso japonês de transportar o papel profissional para o terreno pessoal pode se tornar particularmente letal. “Há anos, até séculos, glorificam o suicídio, provavelmente desde os samurais.” Como as pessoas tendem a ver sua empresa como se fosse sua família, “um diretor geral dirá, ‘me responsabilizo pela empresa’ e tirará a vida, e o mais provável é que os meios de comunicação vejam isso como um ato de honra”, assegura Ozawa-de Silva. No Japão, nono país no ranking mundial de suicídios, estima-se que dois terços dos suicídios ocorridos em 2007 tenham sido masculinos. “Nas sociedades patriarcais o normal é que a responsabilidade seja assumida pelo pai.”

Não se trata do que alguém espera de si mesmo, e sim do que acredita que os outros pensem. Que decepcionou os outros, que fracassou como pai, como irmão, ou o que quer que seja
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