domingo, 7 de fevereiro de 2016

Senhores não resolvidos, frágeis...



Os machos suicidas, ou como o perfeccionismo pode ser mortal
Os suicídios masculinos superam em número os femininos no mundo todo. A ciência explica por quê








Drummond finalmente conseguiu realizar seus sonhos. Foi um longo caminho desde que, quando criança e com grande tristeza, não conseguiu superar o acesso ao ensino secundário. Foi uma grande decepção para sua mãe, mas, principalmente, para seu pai, que era engenheiro em uma empresa farmacêutica e nunca tinha mostrado um grande interesse por ele quando pequeno; nunca brincavam juntos, e quando se comportava mal era colocado de costas em uma cadeira e levava uma surra. Assim eram os homens de então. Um pai era objeto de medo e respeito. Um pai era um pai.

 A pressão para conseguir o sucesso profissional, a conciliação familiar e o reconhecimento social estão entre os fatores de risco de suicídio atualmente. Bill Varie/CORBIS


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Era duro assistir todas as manhãs em frente de casa a dois estudantes do secundário com seus bonés, tão elegantes. O sonho de Drummond sempre havia sido chegar a diretor de uma pequena escola em um povoado tão perfeito como aquele onde cresceu, mas só conseguiu vaga em um instituto técnico como aprendiz de carpinteiro e pedreiro. Seu consultor de trabalho quase morreu de rir quando Drummond disse a ele sobre suas aspirações profissionais, mas nem assim ele cessou seus esforços. Lutou por um lugar na universidade e se tornou presidente da associação de estudantes. Conseguiu vaga como professor, se casou com sua namorada da vida toda e, aos poucos, percorreu seu caminho até a direção, em uma vila em Norfolk. Tinha três filhos e dois carros. Sua mãe estava orgulhosa, ao menos.

Foi assim que ele acabou sozinho, sentado em um pequeno quarto, e considerando a possibilidade de suicídio.

Fatores de risco

A impulsividade, a melancolia obsessiva, os baixos níveis de serotonina e a falta de dotes sociais são algumas das vulnerabilidades que aumentam o risco de suicídio. O presidente da Academia Internacional de Pesquisa do Suicídio, o professor Rory O'Connor, há 20 anos estuda os processos psicológicos que se escondem por trás da morte autoinfligida. “Você viu as notícias?”, pergunta. Os jornais da manhã mostram os dados mais recentes: em 2013, foram registrados 6.233 suicídios no Reino Unido. Enquanto a taxa de suicídio feminino permanece mais ou menos estável desde 2007, a dos homens está no seu nível mais alto desde 2001. Quase oito em cada dez suicídios são do sexo masculino, um número que há mais de três décadas está em ascensão. Em 2013, a causa mais provável da morte de um homem entre 20 e 49 anos não era um assalto, um acidente, as drogas ou um ataque cardíaco, mas a decisão de não continuar a viver.

Aqueles que se dedicam ao estudo do suicídio, ou que trabalham em instituições de caridade voltadas para saúde mental, estão determinados a convencer as pessoas que raramente, ou quase nunca, existe um único fator que explique a morte autoinduzida, e que as doenças psiquiátricas, e mais comumente a depressão, geralmente precedem esse evento. “Mas o mais alarmante é que a maioria dos deprimidos não comete suicídio”, diz O'Connor. “Menos de 5% o fazem. Assim, as doenças psiquiátricas não explicam. Para mim, a decisão de cometer suicídio é um fenômeno psicológico. Aqui no laboratório, a nossa intenção é compreender a psicologia da mente suicida.”

Estamos sentados no escritório de O'Connor no Gartnavel Royal Hospital. Pela janela, sob um céu sombrio, se destaca a torre da Universidade de Glasgow (Escócia). Em um painel de cortiça, desenhos de seus dois filhos, um monstro laranja e um telefone vermelho. Escondida no armário, uma coleção sinistra de livros: Compreender o Suicídio, Por sua Própria Mão Inocente, e Uma Mente Inquieta, a célebre crônica da loucura, de Kay Redfield Jamison.

O Laboratório de Pesquisa de Comportamento Suicida, de O'Connor, trabalha com sobreviventes em hospitais, avaliando seus casos dentro das primeiras 24 horas após uma tentativa, e fazendo o acompanhamento do progresso posterior. Também realizam estudos experimentais para testar hipóteses sobre questões como a tolerância à dor de pessoas suicidas, ou possíveis alterações cognitivas após curtos períodos de estresse induzido.

Em 2013, a causa mais provável da morte de um homem entre 20 e 49 anos não era assalto, acidente de trânsito, drogas ou um ataque cardíaco, mas a própria decisão de não continuar vivendo

Depois de anos de estudo, O'Connor descobriu algo surpreendente sobre as mentes suicidas. É o chamado perfeccionismo social, e poderia nos ajudar a entender por que os homens tendem a cometer tantos suicídios.

O pai perfeito

Drummond se casou com Livvy, sua namorada de olhos castanhos, aos 22 anos de idade. Dezoito meses depois, ele se tornou pai. Logo já teve dois meninos e uma menina. O dinheiro era apertado, é claro, mas ele era fiel às suas responsabilidades. Dava aulas durante o dia e trabalhava atrás do balcão de um bar à noite. Sexta-feira fazia o turno da noite em uma pista de boliche, das 18h às 6h da manhã. Dormia durante o dia e voltava a tempo de fazer um novo turno na noite de sábado. Em seguida, o turno do almoço em um pub no domingo, uma pequena pausa, e de volta à escola na segunda-feira de manhã. Não via muito seus filhos, mas, para ele, o mais importante era garantir o conforto de sua família.

Além de trabalhar, Drummond também estudava, determinado a ganhar as qualificações necessárias para ser um diretor. Mais ambição, mais progresso. Ele conseguiu novos trabalhos em escolas melhores. Guiava sua família para um destino melhor. Sentia que era um bom líder. O marido perfeito.

Só que não era.

Depois de anos de estudo, O'Connor descobriu algo surpreendente sobre mentes suicidas. É o chamado perfeccionismo social

O valor dos papeis

Quando você é um perfeccionista social tende a se identificar com os papeis e responsabilidades que acreditar ter na vida. “Não se trata do que se espera de si mesmo”, explica O'Connor, “mas o que acha que os outros pensam. Que decepcionou os outros, que fracassou como pai, como irmão, ou o que quer que seja.”

Isso pode ser especialmente tóxico, pois está se fazendo jogos imaginários dos julgamentos de outras pessoas sobre si mesmo. “Não tem nada a ver com o que as pessoas realmente pensam sobre alguém”, diz. “Mas com o que alguém acha que eles esperam. O que é realmente preocupante é que isso é que está sempre fora de seu controle.”

A primeira vez que O'Connor soube da existência do perfeccionismo social estava lendo estudos feitos com universitários norte-americano. “Pensei que não seria o mesmo dentro de um contexto britânico, e que não funcionaria com pessoas procedentes de ambientes mais adversos, mas acontece que sim. É um efeito surpreendentemente robusto. Temos estudado nas áreas mais necessitadas de Glasgow.” Seu primeiro estudo foi realizado em 2003, com 20 pessoas que tinham acabado de tentar o suicídio, além de um grupo de controle. Eles foram avaliados por um questionário de 15 perguntas para medir a concordância com afirmações como: ‘O sucesso está em trabalhar ainda mais para agradar os outros’, ou ‘as pessoas não esperam de mim menos que a perfeição’. “A relação entre perfeccionismo social e tendências suicidas está presente em todas as populações com quem temos trabalhado”, diz O'Connor, “tanto entre os desfavorecidos como entre os ricos”.

O que ainda não sabemos é por quê. “Avaliamos a hipótese de que os perfeccionistas sociais são muito mais sensíveis aos sinais de fracasso dentro do ambiente”, diz.
Mas há uma falha percebida, quando se ajusta às expectativas, e sobre quais são os papéis que os homens sentem que devem se ajustar, pais? provedores? “A sociedade está passando por mudanças”, responde O'Connor, “agora você também tem que ser o Sr. Metrossexual. As expectativas são ainda maiores, há mais oportunidades para que um homem possa sentir que fracassa”.

Quase oito em cada dez suicídios são do sexo masculino, um número que está há mais de três décadas em ascensão

A pressão na Ásia

A capacidade de perceber as expectativas alheias, junto com a crença catastrófica de não estar cumprindo com elas, mostra um rápido crescimento na Ásia, onde as taxas de suicídio dispararam. A Coreia do Sul é o pior país da região; alguns cálculos apontam que já tem a segunda maior taxa de suicídio no mundo. Cerca de 40 sul-coreanos tiram suas próprias vidas a cada dia, de acordo com relatórios de 2011. Em 2014, uma pesquisa realizada pela Fundação para a Promoção da Saúde na Coreia revelou que mais de metade dos adolescentes tiveram pensamentos suicidas durante o ano anterior.
Psicólogo social da Universidade de Inha, na Coreia do Sul, o professor Uichol Kim acredita que isso pode ser devido, em grande parte, à miséria desencadeada após a vertiginosa saída do país da pobreza rural para a opulência urbana. Há 60 anos, o país estava entre os mais pobres do mundo, diz ele, comparando seu pós-guerra com a situação do Haiti após o terremoto de 2010. No passado, quase todo mundo vivia em comunidades agrícolas, enquanto que hoje 90% vivem em áreas urbanas.

Essa mudança abalou os alicerces de uma cultura que, por 2.500 anos, era profundamente enraizada no confucionismo, um sistema de valores que recebe seu senso de sobrevivência em pequenas comunidades agrícolas, muitas vezes isoladas. “A vida girava em torno da cooperação e do trabalho em comum”, explica Kim. “Normalmente, era uma cultura baseada em compartilhar, dar e cuidar. Mas na cidade moderna é tudo muito mais competitivo, com base em superação de conquistas.” O significado do sucesso pessoal mudou para a grande maioria. “Agora uma pessoa é definida de acordo com seu status, poder ou riqueza, e isso não faz parte da tradição cultural.” A que se devem essas mudanças? “Um estudioso confucionista, vivendo em uma fazenda em uma vila, poderia ser muito sábio, mas nunca deixaria de ser pobre”, diz Kim. “Nós queremos ficar ricos”, e, como resultado, sofremos algum tipo de amputação do significado pessoal. “Falamos de uma cultura sem raízes.”

Também se trata de uma cultura cuja estrada para o sucesso está entre os mais exigentes – a Coreia tem a jornada de trabalho mais longa de todos os países ricos da OCDE –, além de ser dos mais rigorosos. Se você fracassa como um adolescente, é fácil sentir que você falhou na vida. “A empresa mais respeitada da Coreia é a Samsung”, diz Kim. Entre 80% e 90% de sua força de trabalho provém de apenas três universidades. “A menos que você tenha acesso a uma delas, você não pode conseguir um emprego em qualquer uma das grandes corporações.
 

 Trabalhadores em um edifício da Coreia do Sul, onde a taxa de suicídios é a segunda mais alta do mundo.

Mas se trata de algo mais do que as perspectivas de emprego para a juventude do país. “Se você é um bom aluno obterá o respeito de seus professores, seus pais e seus amigos. Você será popular, e todo mundo vai querer estar com você.” A pressão para atingir esse nível de perfeição, não só social, pode ser imensa. “A autoestima, a consideração social e o status, todos se combinam em um único objetivo”, diz. E “o que acontece se você não tiver sucesso?”.

“Desvalorizado como homem”

A mudança da vida agrária para a urbana na Coreia do Sul abalou os alicerces de uma cultura que, por 2.500 anos, foi profundamente enraizada no confucionismo, um sistema de valores que recebe o seu sentido de subsistência em pequenas comunidades agrícolas, frequentemente isoladas.

Como se não bastasse, além de todo o trabalho em meio período que estava fazendo por dinheiro, e seus estudos, Drummond também realizava trabalho voluntário, que tomava ainda mais tempo que poderia estar com sua esposa e filhos. Livvy reclamava sobre o quanto ele trabalhava, dizia sentir-se abandonada. “Você está mais interessado em sua carreira do que em mim”, dizia. E o movimento constante de se mover de uma escola para outra não ajudava.

Soube da primeira aventura quando trabalhava como voluntário em um hospital de King’s Lynn. Uma mulher entregou-lhe um maço de papeis: “Essas são as cartas que sua esposa escreveu para o meu marido”, disse a ele. Tinham uma alta carga erótica, mas o pior de tudo foi descobrir o quanto Livvy estava apaixonada por aquele homem.
Drummond foi para casa disposto a enfrentar sua esposa. Livvy não podia negar. Estava tudo lá, em sua própria caligrafia. Soube de todas as cenas que aconteceram na rua do amante; com ela dirigindo para cima e para baixo, na frente de sua casa, tentando vê-lo. Mas Drummond era incapaz de deixá-la; os filhos eram pequenos, e ela tinha prometido não fazer de novo. Então ele decidiu perdoar.

Drummond costumava sair nos finais de semana para fazer cursos de formação. Um dia, voltando para casa descobriu que o carro de Livvy tinha tido um pneu perfurado, e que um policial tinha trocado o pneu. Aquilo, pensou ele, foi muito gentil de sua parte. Algum tempo depois, sua filha de 11 anos disse a ele, coberta de lágrimas, que tinha flagrado sua mãe na cama com o policial.

O próximo amante de Livvy foi um profissional da área de saúde. Dessa vez chegou a deixá-la, mas voltou para casa algumas semanas mais tarde. Drummond lidou com isso da única maneira que sabia: resignando-se. Não era seu estilo ir abaixo, chorar ou brigar. Ele não tinha amigos homens próximos com quem falar, e mesmo que tivesse, é pouco provável que tivesse dito alguma coisa. Não é o tipo de coisa que alguém morre de vontade de dizer, que sua esposa anda por aí colocando chifres em você. Foi então que Livvy decidiu que queria se separar.

Livvy ficou com a casa e os filhos após o divórcio; o pacote completo. Uma vez pago o sustento das crianças, não sobrava muita coisa para Drummond, mas ninguém soube na escola. Lá estava o homem exemplar em quem ele tinha investido tantos anos: o diretor de sucesso e marido com três filhos na flor da vida. Mas aquilo não podia durar. Um dia foi abordado por um monitor, que lhe perguntou: “É verdade que sua esposa se mudou?”.

Eles estão principalmente motivados para o avanço, centrados em ir abrindo passo. As mulheres preocupam-se mais pelo clima organizativo, por como ligam com o resto. Acho que isto pode ser extrapolado a facetas para além do meio trabalhista”.

Naquela época, já estava morando em um quarto frio de aluguel em uma fazenda nos arredores de King’s Lynn. Ele se sentia completamente desvalorizado como homem. Estava arruinado e se sentia um fracasso, um corno; muito longe de ser o que todo mundo esperava dele. Seu médico receitou algumas pílulas. Lembra-se de estar sentado naquele lugar úmido e perceber que a coisa mais fácil seria assumir suas derrotas e acabar com tudo.
CONTINUA...

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